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Fronteira conturbada

A dura realidade por trás da morte de jornalistas equatorianos

Publicado

Autor/Imagem:
Pedro Nascimento, Edição

O brutal crime contra repórteres em cativeiro revelou uma verdade incômoda que já era advertida por analistas: entre Equador e Colômbia opera uma fronteira do crime onde o poder do narcotráfico desafia os dois Estados.

Sem recuperar os três corpos dos integrantes da equipe de imprensa equatoriana que estava em poder de guerrilheiros dissidentes das Farc desde 26 de março, os dois governos agora buscam dar um golpe contundente que reivindique sua autoridade na área onde tudo aconteceu.

Crime transnacional – A Colômbia luta há cinco décadas contra forças guerrilheiras e paramilitares que encontraram no narcotráfico um combustível graças à política de proibição e perseguição das drogas imposta pelos Estados Unidos, maior consumidor de cocaína do mundo.

O Equador acreditava poder se manter a salvo apesar de estar ligado por uma fronteira de mais de 700 quilômetros e que passa por zonas empobrecidas.

O histórico abandono, falta de controle oficial dos dois lados e os muitos atalhos ilegais permitiram a ação de facções.

A área é um ponto estratégico para o envio de drogas aos Estados Unidos do Pacífico e um cenário de “crime transnacional”, diz à AFP o general colombiano Mauricio Zabala, um dos responsáveis militares na fronteira.

Pobreza e crime – Os ataques nos últimos meses estão concentrados em uma pequena área limítrofe banhada pelo Pacífico.

A zona liga o município colombiano de Tumaco, que com 200.000 habitantes é considerado o território com maior concentração de cultivos de drogas do mundo, e o cantão equatoriano de San Lorenzo, de 58.000 habitantes.

Lá opera a Frente Oliver Sinisterra, responsável por um crime inédito no Equador. Seu líder é Walter Patricio Artízala, apelidado Guacho, que passou mais de 15 anos na guerrilha, mas se afastou do acordo de paz de 2016.

Bogotá e Quito lançaram uma ofensiva militar contra Guacho, ex-comandante médio das Farc.

Entretanto, uma ação exclusivamente militar pode gerar extrema violência, como aconteceu no México durante o governo de Felipe Calderón, segundo o analista Fernando Carrión.

Em áreas como essa, “é necessária uma política econômica para a substituição dos cultivos e para que a renda dos habitantes não venha dos entorpecentes”, enfatiza esse especialista em Segurança da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em Quito.

Nem tudo são as Farc – Enquanto Bogotá enfatiza que o sequestro foi no Equador e o responsável é equatoriano, o outro lado responde que são “grupos criminosos colombianos que entraram no território”.

A impressão “é que houve um ‘lavar de mãos’ e a entrega da responsabilidade ao outro”, opina Carrión.

O certo é que o crime aconteceu em uma fronteira onde, por décadas, as dissolvidas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) exerceram domínio.

Agora são 12 grupos que disputam o controle dos cultivos em Tumaco. Não é “uma consequência direta da desmobilização das Farc, mas de um descontrole que ocorre nas fronteiras colombianas pelo altíssimo grau de criminalidade”, assinala Mauricio Jaramillo, internacionalista da Universidade do Rosário, em Bogotá.

No Equador, a crença de que “tudo é culpa das Farc” também escondeu o “principal problema do local, o narcotráfico”, concorda Carrión.

Algo falha – Em 2008, um ataque colombiano a um campo guerrilheiro no Equador, sem o aval de Quito, motivou uma crise diplomática. Mas com o governo de Juan Manuel Santos, a tensão diminuiu e ambos os países passaram à cooperação.

Mas os 10.000 soldados que os dois governos asseguram manter na fronteira não contribuíram para resolver os problemas.

“Se essas dissidências conseguiram entrar no território equatoriano e cometer crimes, algo falhou no que estamos fazendo conjuntamente”, explica Sebastián Bitar, analista da colombiana Universidade dos Andes.

Por anos o Equador recusou fazer operações coordenadas e “este caso revela que quando não há boa coordenação” abre “um espaço de crescimento das atividades criminosas”, sustenta Jorge Restrepo, do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos.

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