Ultraconservadores
A extrema direita global e suas máscaras nacionais
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A extrema direita não é um bloco monolítico. Ela não opera como um produto de prateleira, idêntico, pronto para ser reproduzido de forma padronizada em qualquer lugar do planeta. Ao contrário: cada país produz sua própria versão, moldada por seus contextos históricos, feridas sociais, memórias coletivas e disputas políticas. O que existe, na verdade, é uma lógica internacional compartilhada.
No Japão, por exemplo, os grupos de extrema direita estão profundamente enraizados no nacionalismo étnico, no culto ao imperador e na defesa de tradições ancestrais. Ali, o discurso não gira em torno de “cristianismo” ou “família” como nos EUA, porque isso simplesmente não dialoga com a realidade local. A retórica japonesa apela ao passado imperial, à homogeneidade cultural e ao medo da dissolução da identidade nacional.
Nos Estados Unidos, por sua vez, a extrema direita tem um forte componente cristão-evangélico. Não é apenas conservadorismo moral: é a convicção messiânica de que determinados grupos (brancos, cristãos, anglo-saxões) têm o direito divino de governar os “outros”, sejam eles negros, latinos, indígenas, LGBTQIA+, muçulmanos ou imigrantes. É uma mistura de supremacismo racial, fanatismo religioso e nostalgia de um país que, na verdade, nunca existiu.
A Europa também oferece suas nuances. Marine Le Pen, na França, jamais se aliou a Jair Bolsonaro. Não só por diferenças estratégicas, mas porque o bolsonarismo é visto, mesmo entre ultraconservadores europeus, como tosco e pouco confiável. Giorgia Meloni, na Itália, é outra liderança que mantém distância prudente do ex-presidente brasileiro. Meloni orbita a extrema direita continental, mas sabe que seu capital político depende de respeitabilidade institucional. Bolsonaro, neste universo, não agrega: compromete.
Apesar das diferenças formais e temáticas, há um ponto central que une todos esses grupos: a estratégia. E aqui está o cerne da questão. A extrema direita global não é igual em conteúdo, mas é semelhante em método. Eles manejam um manual comum, compartilhado em conferências internacionais, think tanks, redes de financiamento e encontros de articulação, como a CPAC, a IDU, o Fórum de Madrid e tantas outras instâncias onde deliberam abertamente.
A palavra de ordem é adaptação. Cada país escolhe um inimigo diferente, de acordo com aquilo que gera mais ressonância entre sua população. Nos EUA, o vilão oficial é o imigrante, que no discurso extremista se torna um fantasma útil para explicar todos os males: desemprego, violência, falência moral e até catástrofes climáticas. No Brasil, essa pauta simplesmente não cola. Somos um país constituído de migrações, mestiçagens, diásporas, travessias. Não faria sentido culpar “estrangeiros” por nossos dilemas.
Então o que faz a extrema direita brasileira? Cria outro inimigo. Agora, o alvo são os “terroristas fictícios” das facções criminosas. Um espantalho político fabricado para justificar projetos de lei autoritários, militarização, vigilância e políticas punitivistas. Uma estratégia que recicla o velho pânico moral, tão útil para governos incompetentes que precisam de um bode expiatório para esconder sua incapacidade de resolver problemas reais.
Ou seja: o conteúdo muda, mas o método é o mesmo. Eleições são tratadas como guerras espirituais. A imprensa é demonizada. A justiça é atacada. Minorias são usadas como ferramenta de mobilização. A democracia é empurrada para o limite. E tudo isso não acontece por acaso, nem de forma espontânea: essas lideranças conversam, planejam, comparam experiências, copiam táticas e ajustam o discurso às especificidades de cada solo onde pisam.
É preciso atentar para o fato de que a extrema direita global não é um movimento disperso. É uma rede. Um projeto. Uma engrenagem articulada em que cada país adapta sua pauta, mas todos compartilham os mesmos objetivos: enfraquecer instituições democráticas, capturar o Estado, desacreditar a ciência, mobilizar medos e transformar a política em campo de batalha permanente.
O rosto muda, o sotaque muda, o inimigo muda, mas a estratégia é uma só. E ela é deliberada, coordenada e incessante.
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Lamartine Teixeira é analista de Relações Internacionais.