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Marina Dutra

A FERIDA DA REJEIÇÃO: A Sombra do Não-Merecimento que Molda Nossa Existência

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Autor/Imagem:
Marina Dutra - Foto Francisco Filipino

A ferida da rejeição é uma das mais primitivas e estruturantes da psique humana. Ela é a primeira a se formar, muitas vezes ainda na vida intrauterina ou nos primeiros momentos de vida, quando a criança, em seu estado mais puro e sensível, percebe, mesmo que de forma não verbal, que sua simples existência não é bem-vinda, aceita ou celebrada. Esta não é uma rejeição explícita necessariamente, mas uma energia sutil de indiferença, distância emocional ou a sensação de ser um “fardo”. É a percepção visceral de “não pertencer” ao próprio núcleo familiar, de ser um estranho no lugar que deveria ser seu porto seguro.

Quem carrega essa ferida internaliza uma crença devastadora: “Eu não mereço existir”. Diferente da ferida do abandono, que teme a solidão, a da rejeição teme a própria presença. A dor não é de “ficar sozinho”, mas de “ser aceito quando se está com os outros”. É um sentimento profundo de inadequação, como se houvesse algo fundamentalmente errado em seu ser.

Para sobreviver a essa dor insuportável de não ser aceito, o ego constrói máscaras sofisticadas cujo objetivo central é desaparecer. A persona criada é, essencialmente, uma estratégia de fuga.

A Máscara do Fugitivo: Esta é a máscara mais comum. A pessoa que a utiliza busca evitar conflitos, fala baixo, ocupa pouco espaço físico e emocional. É a persona do “eu não sou um incômodo”. O fugitivo acredita que, se não for percebido, não correrá o risco de ser rejeitado.

A Máscara da Sabotagem: Uma manifestação mais complexa onde o indivíduo, movido pelo seu profundo sentimento de não merecimento, sabota sistematicamente suas próprias oportunidades de sucesso e felicidade. Conscientemente, deseja vencer, mas inconscientemente, acredita que o fracasso é seu lugar natural. É uma forma de controlar a rejeição: se eu mesmo me rejeitar primeiro, a dor do outro me rejeitar será menor.

A Máscara do Perfeccionismo: Alguns tentam compensar a ferida buscando uma excelência inatingível. A lógica inconsciente é: “Se eu for perfeito, irrepreensível, ninguém terá motivos para me rejeitar”. No entanto, como a perfeição é impossível, qualquer falha, por mínima que seja, serve apenas para confirmar a crença original de inadequação, levando a uma autocrítica implacável.

As manifestações desta ferida na vida adulta são sutis, porém infiltram-se em todas as áreas da vida.

Nos Relacionamentos, há um padrão de “fuga antes do golpe”. A pessoa pode se afastar emocionalmente no auge da conexão, encontrar defeitos insignificantes no parceiro para justificar um término, ou manter relações superficiais que não a desafiam a se mostrar por completo. O apego excessivo pode ocorrer não por amor, mas por um medo patológico de encarar a solidão que confirma sua rejeição.

No Trabalho, a síndrome do impostor é uma companheira constante. A pessoa evita promoções, não compartilha ideias em reuniões e atribui seu sucesso à sorte, nunca ao seu próprio mérito. A simples possibilidade de receber um feedback negativo é vivida como uma confirmação catastrófica de sua incompetência e, portanto, de sua rejeitabilidade.

Na Relação com o Corpo: Pode haver uma desconexão do corpo físico, como se ele não fosse digno de cuidado ou amor. Isso pode se manifestar como negligência com a saúde, dificuldade em aceitar elogios à aparência ou, no extremo oposto, em procedimentos estéticos obsessivos na tentativa de “consertar” o que se sente como inerentemente defeituoso.

No Dia a Dia Digital: A ansiedade gerada quando uma mensagem não é respondida não é sobre o outro, mas sobre o significado que se atribui ao silêncio: “Eles me rejeitaram”. A interpretação de interações sociais é quase sempre filtrada pela lente da rejeição, levando a um desgaste mental constante.

Perceber estes padrões não é sobre culpar os pais ou a si mesmo, mas sobre reconhecer um mecanismo de sobrevivência que já cumpriu sua função. A cura começa com a consciência. Trata-se de observar os impulsos de fuga e sabotagem sem julgamento, entendendo-os como um chamado de socorro da criança interior que ainda acredita não ser digna de amor.

O trabalho profundo envolve:

Validar a Própria Existência: Praticar o auto-reconhecimento. Dizer para si mesmo: “Eu mereço ocupar espaço. Minhas necessidades são válidas.”

Corrigir a Crença Nuclear: Questionar ativamente a voz interior que diz “você não é suficiente”. Buscar evidências concretas que contradigam essa narrativa.

Praticar a vulnerabilidade de forma gradual. Compartilhar uma opinião, aceitar um convite, celebrar uma conquista. Cada pequeno passo é um ato de rebeldia contra a ferida.

Na próxima semana, exploraremos uma ferida que, em vez do medo de ser, teme o vazio de ficar: a ferida do abandono. Veremos como o pavor da solidão pode moldar relações de dependência e como podemos aprender a habitar a própria companhia sem desespero.

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Marina Dutra – Terapeuta Integrativa
Instagram: @sersuperconsciente
E-mail: sersuperconsciente@gmail.com

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