Marina Dutra
A Ferida da Traição – A Fortaleza da Desconfiança que Isola o Coração
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Se a humilhação fala da vergonha de ser, a ferida da traição nasce da quebra de uma promessa fundamental: a da lealdade. Esta ferida abre-se quando a criança experimenta o abuso de confiança por parte de alguém com quem tinha um vínculo de dependência vital – normalmente o progenitor do mesmo sexo. Ocorre quando esse cuidador não honra o papel de protetor, seja através de invasão de limites, manipulação emocional, favoritismo em relação a irmãos ou, em casos mais graves, abuso físico ou psicológico. A mensagem internalizada é: “Não posso confiar em quem deveria me proteger”.
Quem carrega essa ferida desenvolve um hipervigilância constante em relação ao poder e ao controle. A crença nuclear que se instala é: “O mundo é perigoso e as pessoas vão me decepcionar”. Diferente de outras feridas, aqui há uma urgência em prever e controlar comportamentos alheios para evitar a dor da surpresa traiçoeira.
Para evitar a vulnerabilidade que precede uma traição, a psique constrói fortalezas de controle e desconfiança:
• A Máscara do Controlador: Esta persona acredita que, se mantiver tudo e todos sob rigoroso controle, poderá prevenir a decepção. Torna-se rígido, autoritário e tem dificuldade em delegar tarefas ou confiar no trabalho alheio. Sua força esconde um medo paralisante do imprevisível.
• A Máscara do Sedutor: Usa o charme, a persuasão ou a sexualidade como ferramentas de manipulação. Mantém os outros emocionalmente dependentes para garantir que não o trairão. Confunde posse com lealdade, e ciúme com amor.
• A Máscara do Justiceiro: Desenvolve um senso rígido de certo e errado, punindo severamente qualquer deslize percebido. Projeta nos outros sua própria dificuldade em confiar, criando ciclos de acusação e autodefesa.
As manifestações desta ferida moldam a vida adulta através de padrões relacionais disfuncionais:
• Nos Relacionamentos Íntimos: Atrai ou cria situações de ciúme, competição e desconfiança mútua. Testa constantemente a lealdade do parceiro, podendo sabotar a relação quando a intimidade se aprofunda – pois a verdadeira proximidade exige um risco de confiança que parece insuportável.
• Na Vida Profissional: Dificuldade em trabalhar em equipa, tendência a microgerenciar colegas e resistência a feedbacks. Vive com a suspeita de que outros estão a tentar tirar vantagem ou roubar seu crédito.
• Na Relação com a Autoridade: Desconfiança instintiva de figuras de autoridade, levando a comportamentos de desafio ou, paradoxalmente, submissão ressentida.
• Na Saúde Física: Tensão crónica, especialmente nos ombros e maxilar – sinais físicos da necessidade de controlo. Problemas digestivos podem reflectir a dificuldade em “digerir” e aceitar o que não pode ser controlado.
A cura da ferida da traição é uma jornada de rendição do controle ilusório e reaprendizagem da confiança. Requer distinguir entre cautela saudável e paranoia incapacitante.
O caminho de integração envolve:
• Praticar a Vulnerabilidade Progressiva: Escolher confiar de forma consciente e gradual em pessoas que demonstraram integridade, começando por pequenos riscos emocionais.
• Substituir o Controlo pela Influência: Reconhecer que pode influenciar relações através do respeito e honestidade, mas nunca controlar as escolhas alheias.
• Curar a Relação com o Poder: Compreender que verdadeiro poder reside na autenticidade, não na dominação. Aprender a usar a força para proteger, não para oprimir.
A cura não é sobre encontrar pessoas perfeitas, mas sobre desenvolver a resiliência emocional para lidar com decepções inevitáveis e a sabedoria para confiar na própria capacidade de se reerguer quando a confiança for quebrada.
Na próxima semana, exploraremos a última das cinco feridas: a injustiça. Veremos como o perfeccionismo e a frieza emocional escondem um profundo anseio por equidade e autenticidade.
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Marina Dutra – Terapeuta Integrativa
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