Prioridades
A Lição do João-De-Barro
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Era hora do almoço na repartição. Embora a Esplanada dos Ministérios não oferecesse muitas opções de lazer durante a semana, Henrique preferia estar ao ar livre a confinado ao prédio onde trabalhava há anos.
Gostava de caminhar enquanto ponderava decisões importantes, e naquele dia havia um motivo especial para perambular entre os ipês e jacarandás da zona central de Brasília: recebera uma proposta para assumir um cargo de chefia e precisava dar sua resposta até o fim da tarde.
Havia muito a considerar. O salário maior traria benefícios evidentes. No geral, não tinha do que reclamar, pagava as contas em dia, desfrutava dos confortos típicos da classe média, mas já fazia tempo que sua esposa o azucrinava para trocar os móveis da casa, os filhos imploravam pelo videogame da moda, e ele mesmo via na promoção a chance de substituir o celular castigado pelos anos de uso.
Por outro lado, o setor para o qual seria designado apresentava desafios imensos. Sua já extensa carga horária certamente aumentaria, teria que lidar com os conflitos interpessoais da equipe, além da pressão por resultados, tudo isso com computadores obsoletos e uma série de entraves burocráticos. Sabia que o tempo escasso com a esposa e os filhos se tornaria ainda mais raro — e, pior, chegaria em casa exausto, sem energia para brincar com as crianças ou dar atenção à esposa. Essa perspectiva o apavorava.
Henrique nunca se vira como um homem ambicioso. Brincava dizendo que era feliz em sua mediocridade, com uma única exceção: a paternidade. Nela, buscava a excelência. Costumava se imaginar como um herói que, com orgulho, recusaria uma promoção para preservar a família. Agora, com a chance real à sua frente, a certeza se esvaía.
Sabia, por experiência, que diante de grandes decisões às vezes bastava parar de pensar obsessivamente no assunto e a resposta surgia. Decidiu então descansar a mente, deixando-se envolver pela natureza ao redor. Foi quando avistou, numa poça quase seca, um pequeno João-De-Barro. Com dedicação, o passarinho recolhia lama no bico, escolhendo cuidadosamente o material para construir sua casa.
Por alguns minutos, Henrique esqueceu o próprio dilema e observou o operário emplumado. Logo percebeu um detalhe curioso: o volume de lama no bico era excessivo, desproporcional ao tamanho da ave. O João-De-Barro tentou alçar voo, mas só conseguiu um rasante desajeitado, quase colidindo com uma cerca viva. Tentou outras três vezes, sem sucesso, o peso o impedia de voar. Henrique concluiu que talvez fosse o primeiro ninho da afobada criatura, ainda ignorante de suas próprias limitações.
Estremeceu ao perceber que a resposta que buscava estava ali, diante de seus olhos. Aceitar a promoção seria o mesmo que agir como aquele passarinho, seria carregar um fardo maior do que poderia ou queria suportar. Sorriu ao pensar que, preso a uma rotina mais pesada, não teria tempo para momentos — simples, mas reveladores — como aquele.
Não teve mais dúvidas. Recusaria a proposta.