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Eles seriam modernos...

A luta e a lenda do cangaço no sertão nordestino

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Autor/Imagem:
Júlia Severo - Foto Divisão de Artes/IA

No início do século XX, o sertão nordestino era palco de contrastes profundos. De um lado, coronéis poderosos dominavam a terra, a política e a economia. De outro, uma população pobre, castigada pela seca e pela fome, buscava meios de sobreviver em um ambiente hostil. Foi nesse cenário que surgiu o cangaço, movimento de homens e mulheres armados que passaram a desafiar a ordem estabelecida, espalhando medo, mas também admiração.

O maior símbolo desse movimento foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, conhecido como o “Rei do Cangaço”. Inteligente, estrategista e carismático, Lampião liderou um dos bandos mais temidos e respeitados do sertão. Ao seu lado estava Maria Bonita, que quebrou barreiras sociais ao se tornar a primeira mulher a integrar oficialmente um grupo de cangaceiros. Juntos, formaram um casal lendário, envolto em coragem, violência e romantização popular.

Ser cangaceiro não era apenas pegar em armas; era enfrentar uma vida dura e instável. Os grupos viviam escondidos na caatinga, deslocando-se constantemente para escapar da polícia. Usavam roupas de couro para se proteger da vegetação espinhosa, carregavam armas pesadas e dependiam da ajuda de simpatizantes locais para conseguir comida e abrigo. Apesar das dificuldades, também havia momentos de festa, com danças, cantorias e improvisos que fortaleciam a identidade do grupo.

O cangaço sempre dividiu opiniões. Para muitos coronéis e autoridades, os cangaceiros eram bandidos cruéis que espalhavam terror nas cidades e fazendas. Mas, para parte do povo sertanejo, eles representavam uma forma de justiça contra os abusos dos poderosos. Lampião, por exemplo, chegou a ser visto como uma figura de resistência, alguém que desafiava um sistema desigual. Essa dualidade é um dos motivos que mantém o tema tão fascinante até hoje.

O impacto do cangaço ultrapassou a história. Ele se transformou em mito. A literatura de cordel, o repente, as músicas de Luiz Gonzaga, filmes e novelas ajudaram a eternizar as figuras de Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros. Museus em cidades do Nordeste preservam objetos, roupas e até armas usadas pelos bandos, mantendo viva a memória de um período marcado por sangue, coragem e resistência.

Em 1938, numa emboscada em Grota de Angicos, no interior de Sergipe, Lampião, Maria Bonita e parte de seu grupo foram mortos. Suas cabeças foram expostas como troféus pelas forças policiais, numa tentativa de apagar sua influência. Mas o efeito foi o contrário: a morte transformou-os em lenda.
Hoje, o cangaço é lembrado como uma parte essencial da identidade nordestina, ao mesmo tempo temida e admirada, entre o crime e a resistência.

Mais do que um capítulo violento da história, o cangaço revela a força de um povo que aprendeu a sobreviver em meio às adversidades do semiárido. É um retrato da luta contra a desigualdade e da busca por voz em uma região marcada pela dureza da seca e do poder dos coronéis.

O sertão, com sua paisagem árida e seu povo resiliente, não apenas moldou o cangaço, mas também transformou-o em símbolo. Um símbolo que, até hoje, desperta debates, fascínio e inspirações na cultura brasileira.

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