Upanishad
A origem do Universo e o mistério da existência
Publicado
em
O nome Upanishad é comumente descrito como “doutrina esotérica”, compondo o núcleo filosófico e metafísico da tradição védica indiana. São 150 Upanishads, escritos a aproximadamente 600 anos antes da nossa era, representando no Vedas o que a Cabala representa para a Bíblia Judaica. Esses textos marcam a transição do ritualismo externo para a investigação interior, deslocando o foco do sacrifício (yajña) para o conhecimento (jñāna). O termo upaniṣad sugere o ato de “sentar-se próximo”, indicando a transmissão reservada de um saber espiritual entre mestre e discípulo, procedimento hierárquico necessário na busca da Quintessência.
Os Upanishads integram formalmente o corpus védico, representando o ápice da tradição brâmane. Enquanto os Vedas enfatizam hinos, rituais e cosmologia mítica, os Upanishads investigam a natureza última da realidade, inaugurando uma metafísica profundamente abstrata, voltada para a origem do Universo.
No contexto do bramanismo, os Upanishads reformulam a noção de Brahman, passando a ser compreendido como o princípio absoluto, infinito e impessoal, que originou e mantém o Universo. Quanto à origem do Universo, textos como o Chāndogya e o Bṛhadāraṇyaka Upanishad descrevem a criação como emanação do Uno, não como ato voluntário de um deus pessoal, mas como manifestação espontânea do absoluto.
Do ponto de vista filosófico, os Upanishads introduzem questões centrais sobre existência, consciência, ilusão (māyā) e libertação (mokṣa), influenciando escolas como o Vedānta, o Yoga e o Budismo. Seu legado reside na compreensão de que o mistério do Universo não se resolve externamente, mas no reconhecimento da unidade entre sujeito e totalidade.
A relação entre os Upanishads e a Cabala judaica não se estabelece por contato histórico direto, mas por convergência estrutural e metafísica. Ambos os sistemas concebem a realidade última como um princípio absoluto, transcendente e ao mesmo tempo imanente: Brahman nos Upanishads e Ein Sof na Cabala. Em ambos os casos, o Absoluto é essencialmente inexprimível, estando além da linguagem e da racionalidade discursiva. A emanação do Universo a partir desse princípio — seja pelos tattvas e níveis de consciência, seja pelas sefirot — expressa um modelo cosmológico não criacionista, no qual o mundo surge como desdobramento gradual do Uno.
Quanto ao desenvolvimento espiritual, tanto os Upanishads quanto a Cabala propõem um caminho de retorno consciente à origem. O conhecimento (jñāna) nos Upanishads e a da‘at cabalística não são saberes meramente intelectuais, mas experiências transformadoras que conduzem à libertação (mokṣa) ou à restauração da harmonia cósmica (tikkun). Em ambos os sistemas, o ser humano é visto como microcosmo do Universo, capaz de reintegrar-se ao Absoluto por meio de disciplina interior, contemplação e purificação da consciência.
No livro A Doutrina Secreta (1888), Helena P. Blavatsky atribui aos Upanishads um papel central na preservação daquilo que denomina Sabedoria Primordial (Gupta Vidyā), isto é, um corpo de conhecimento metafísico anterior às religiões históricas. Para Blavatsky, os Upanishads são registros velados de uma doutrina esotérica universal, transmitida de forma simbólica e reservada aos iniciados. Madame Blavatsky afirma que “os Upanishads são a alma dos Vedas”, pois contêm “a chave metafísica sem a qual os hinos védicos permanecem incompreendidos”. Na obra, conceitos como Brahman, Ātman e Māyā expressam princípios cósmicos universais equivalentes às noções de Absoluto, Espírito e Ilusão presentes em outras tradições iniciáticas.
Tal formulação aproxima explicitamente o pensamento védico das tradições herméticas e cabalísticas, reforçando a tese de uma metafísica perene subjacente às culturas espirituais da humanidade.
No plano do desenvolvimento espiritual, Blavatsky enfatiza que os Upanishads ensinam um caminho de autoconhecimento que transcende a devoção ritual. Ela associa o reconhecimento da identidade entre Ātman e Brahman ao despertar da consciência espiritual superior, afirmando que “o verdadeiro iniciado é aquele que compreende que o Self humano é um reflexo direto do Self universal”, segundo o princípio cabalístico “o que está em cima é como o que está embaixo”. Assim, A Doutrina Secreta reposiciona os Upanishads como textos-chave para a compreensão do mistério da existência, da origem do cosmos e da finalidade última da consciência humana.
A prática do canto e da recitação dos Upanishads ocupa lugar central na tradição védica como instrumento de transformação da consciência. Os versos upanishádicos, entoados segundo padrões rítmicos específicos (chandas), atuam sobre o corpo e a mente por meio da vibração sonora, promovendo relaxamento profundo e estado meditativo ampliado. Estudos contemporâneos sobre mantra e neurociência indicam que a repetição vocal rítmica reduz a atividade do sistema nervoso simpático, favorecendo equilíbrio emocional e foco interior. Assim, o canto upanishádico é uma prática espiritual de elevação da consciência, alinhando respiração, mente e intenção ao princípio universal expresso nos versos escritos e cantados.
……………
Hussein Sabra el-Awar
Membro Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
@colegiodosmagosesacerdotisas