Instrução e Julgamento
A prova testemunhal como um breve diálogo com a Verdade
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Não, não se presta favor para quem quer que seja, quem foi intimado a depor em Audiência, aquela, de Instrução e Julgamento, na qualidade de testemunha. Esqueça o mito: testemunha do autor e testemunha do réu. A testemunha pertence ao processo, ou melhor, a instrução do processo. Permita-me uma licença poética para citar parte da letra da música intitulada Já sei namorar, composta por Antonio Carlos Santos de Freitas, Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho e Marisa de Azevedo Monte, cantada pelos Tribalhistas, grupo integrado por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte:
Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem.
A meu juízo, nada mais adequado ao tema pertencimento da prova. Ah, sim, a tal AIJ. Audiência de Instrução e Julgamento; ato formal e solene realizado perante a Autoridade Judiciária. Algo, sem dúvida, relevante. Presta-se um serviço de natureza pública para o Estado, ou melhor, para o Estado-juiz. Há quem fale em colaboração com o Juízo; com o Juízo, não, pois Juízo é sinônimo de Vara, o núcleo de atividade judiciária, onde trabalham o Juiz e seus Auxiliares, então não vejo a possibilidade de colaborar com o Juízo, ou seja, com a Vara. Colabora-se, em verdade, permita-me a erudição, com a instrução do feito, fui claro, agora? Instruir o feito. Instruir o quê? O feito. É assim que se fala em linguagem forense.
Não é pouca coisa, não, fique sabendo. Você tem o dever de colaborar com a “instrução do feito”, coisa de erudito, literato, desse pessoal que escreve sobre Direito Processual, deixe-me lembrar a expressão… autores, doutrinadores, produtores de conhecimento, são essas as palavras, ou se preferir, “benfeitores da humanidade”, conforme escreveu o célebre Jean Renoir, em sua obra intitulada Escritos sobre o cinema, referindo-se aos autores, de modo geral, claro, e não especificamente aos juristas, o que seria muita pretensão de nossa parte.
É fato que você vai colaborar com a Justiça, com o Poder Judiciário, se é que me entende; está na Lei, artigo 378 do Código de Processo Civil. Daí, pode-se dizer que não é pouca coisa, não, viu? A testemunha comparece perante o Juiz. A propósito, adoro essa expressão, quer mostrar “conhecimento”, cite um artigo, nessa hipótese, o 378 do CPC, assim mesmo, agora abreviado, claro que eu tenho certeza. Afinal de contas, estudo Direito há 45 (quarenta e cinco) anos, incluso o tempo de Faculdade; permita-me um pouco mais de erudição, desde os albores da juventude.
Está escrito no mandado judicial que você foi intimada para comparecer na sede do Juízo, outra locução pomposa, para depor como testemunha e a testemunha coisa alguma tem que fazer, senão relatar o que sabe acerca dos fatos, dos fatos da causa, é assim que se fala, é a tal linguagem hermética, demanda, revelia, instrução do feito, fatos da causa, dilação probatória, trânsito em julgado, e por aí vai, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, essa dupla extraordinária, inegavelmente colaboradora com a evolução do Direito.
Só para lembrar, a inquirição da testemunha é feita pelo Juiz e pelos Advogados, na medida em que formularem perguntas, a testemunha vai respondendo o que souber, e o que porventura não souber simplesmente dirá que não sabe, só não pode faltar com a Verdade, cometer perjúrio, crime de falso testemunho, nem pensar. É crime! Está no Código Penal, artigo 342. É o tal princípio da reserva legal, esse está no artigo 1º; se estiver capitulado no Código Penal, então é crime, sim Senhora. Só a Verdade tem lugar na Audiência de Instrução e Julgamento, perdão, na AIJ, abreviando, mais uma vez.
Não, não há o que ensinar para a testemunha, vez que é ela quem tem o que ensinar, ensinar onde repousa a verdade dos fatos para bem colaborar com a convicção do Juiz, de quem vai decidir, embora alguns o chamem de Magistrado, Sentenciante, ínclito Julgador, até Edilidade, eu mesmo já empreguei a palavra, e tome erudição e linguagem hermética; quem goste que se enrosque.
– A propósito, disse-me ainda pouco que adora a locução, e se eu faltar a Audiência de Instrução e Julgamento, Doutor, o que acontece?
– A quem você se refere, prezada interlocutora?
– Refiro-me à mim mesma, a Verdade, se eu estiver na qualidade de testemunha, então serei a Verdade.
– Não, sem a Verdade, lembre-se, permita-me, pela última vez, uma ligeira licença poética, in vino veritas, ainda que possa ter lugar a Audiência de Instrução e Julgamento, certamente não haverá direito e seguramente não haverá justiça, vale dizer, não será o fim colimado pela jurisdição definitivamente alcançado, o que, convém destacar, muito bem lembrado pela pena do Legislador ao forjar a norma fundamental contida no artigo 6º, parte final, do Código de Processo Civil, agora por extenso para enaltece-lo: o desiderato do proferimento de uma “decisão de mérito justa e efetiva (…)”, legitimando, assim, definitivamente, a pacificação social pela autoridade da coisa soberanamente julgada.
– Bem, finalmente, gostaria de agradecer a oportunidade de ter falado com a Verdade, Senhora muito distinta e reveladora, e certamente guardarei esse momento na memória e no coração, muito obrigado, até o próximo encontro.
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Durval Pimenta de Castro Filho é advogado, professor universitário, escritor e articulista. Preside, atualmente, a Comissão de Processo Civil da OAB/Barra, Seccional Rio de Janeiro.