Acompanhante
A trágica história da amiga de Camila
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Certa noite, já havia feito minha refeição e subido para meu quarto do hotel, estava me preparando para dormir, mas um tanto inquieto, sem sono e pensando na companhia de Camila. Já havia ligado para ela várias vezes, mas não atendia. Imaginei que pudesse estar com outro cliente. Pedi um vinho para o serviço de quarto e, depois de algum tempo, tentei ligar novamente e continuava não atendendo. Insisti algumas vezes, e nada.
Decidi, então, descer à rua e perguntar a algumas das garotas se sabiam do paradeiro dela. Logo ao sair do lobby do hotel, encontrei uma menina muito nova, nunca a havia visto antes. Perguntei se conhecia Camila e se sabia se estava atendendo naquele dia. Disse ser sua amiga e, no dia anterior, comentara que não viria hoje, por alguma razão da qual não se lembrava.
Antes que pudesse agradecê-la pela informação e voltar resignado à minha suíte, a garota emendou:
– Mas se você quiser, estou à disposição para atendê-lo. Meu nome é Sarah, cobro o mesmo preço de Camila e posso fazer tudo o que ela faz com a mesma qualidade.
Perguntei quantos anos tinha. Me respondeu 19. Parecia bem menos. Hesitei por um momento, mas respondi:
– Está bem, Sarah. Me dê seu número. Volto para o hotel e daqui a pouco te chamo.
E assim fiz. Em poucos minutos Sarah bateu em minha porta. Ao abrir ela se lançou ao meu encontro, pendurou-se em meu pescoço e começou a me beijar, a me chamar de meu bem, minha vida; e dizendo estar ansiosa para fazer sexo comigo. Diante de tal ímpeto, não tinha como protelar, nos jogamos na cama e começamos a nos despir. Sarah pareceu deleitar-se com minha performance. Ou aquilo era verdade, ou ela mereceria um “Oscar”. Não vou negar, também me senti bastante satisfeito com seu desempenho.
Depois de tomarmos um banho juntos, ela continuou a me provocar, mas para mim já era o suficiente. Entreguei o dinheiro combinado e puxei assunto com ela. Tenho a impressão de que as meninas dessa cidade são menos antissociais e não têm tanta pressa em se retirar ao término dos programas; ou talvez tenha sido coincidência, pois Sarah, igualmente a Camila, não se importou em se demorar um pouco mais, de me contar coisas sobre sua vida e querer saber mais a meu respeito.
Disse-me que sua família morava em um subúrbio um pouco distante e que havia se mudado para a cidade a fim de arrumar um emprego e estudar. Cursava o 2º ano do Ensino Médio no período da manhã em uma escola pública e dizia em casa que trabalhava em uma loja de shopping. Não poderia dizer qual era sua real atividade. A família era religiosa e muito conservadora.
Mas quando veio para cá, sua intenção era mesmo arrumar um trabalho “honesto”, porém rapidamente percebeu que, com o salário de um emprego formal, não conseguiria se sustentar e pagar metade do aluguel mais as despesas de um apartamento a ser dividido com alguma colega. Além do mais, precisava ajudar financeiramente os pais e ainda guardar dinheiro para realizar seu sonho: cursar a faculdade de Direito.
Aos finais de semana, voltava para a casa da família e, especialmente naquele estava muito feliz e ansiosa, pois seu querido avô materno estava completando 80 anos e haveria uma grande festa em comemoração. Iria lhe fazer uma grande surpresa, pois havia comprado uma TV de led de 40”, ele poderia finalmente aposentar seu antigo aparelho de tubo que demorava para esquentar e enquanto isso a imagem não aparecia. Seria a realização de seu grande desejo: poder ver nitidamente seu jornal de notícias e os jogos do Santos FC, seu time do coração desde jovem, no interior do Ceará, quando, em 1958, seu ídolo eterno, Pelé, despontou na Copa do Mundo da Suécia. E a surpresa não parava por aí, pois ela já havia contratado um canal de pay-per-view para ele não perder nenhuma partida.
Daquela vez minha estada foi mais rápida do que de costume. No dia seguinte já iria retornar a São Paulo. Portanto, não tive condições de me encontrar com Camila. Aproximadamente dez dias depois, estava de volta. Logo na primeira noite, já fiz contato com minha “favorita”. Ela chegou, e como sempre, após nossa transa, começamos a conversar.
Já fui logo dizendo que tinha estado por lá alguns dias antes e havia procurado por ela, mas naquele dia não tinha ido trabalhar e, como não iria me demorar daquela vez, acabei chamando uma outra garota, sem revelar quem era. Ela, brincando, como se estivesse com ciúme, me respondeu:
– Aposto que não era tão boa quanto eu!
Respondi que não esperava mesmo muita coisa, mas a experiência havia superado minha expectativa, porém, não chegava a seus pés. Camila quis saber quem era, pois conhecia quase todas as meninas do ponto na rua do hotel. Respondi que de fato me disse ser sua amiga. Mas quando revelei o nome, ela ficou branca e paralisada; depois de alguns segundos, disse:
– Não acredito! Você ficou com Sarah!
– Sim!
– Não sabe o que aconteceu a ela?
Sarah havia sido assassinada no último domingo, ao retornar da casa da família. A polícia encontrou o corpo em uma poça de sangue no apartamento, embaixo de sua cama, após receber um telefonema anônimo na segunda-feira pela manhã. Havia levado 15 facadas. Rosalina, a mulher com quem dividia o apartamento, uma garota de programa que completara recentemente 55 anos, havia desaparecido.
Os investigadores, entretanto, não tiveram grande trabalho para identificar a autora do crime. Suspeitaram da voz feminina do telefonema, pois parecia alucinada. Após espalhar o alarme para todas as delegacias, Rosalina foi encontrada em poucas horas, em um banco de praça, não muito distante do local onde morava com Sarah, trajando apenas um baby doll cor-de-rosa, descalça e dizendo coisas desconexas; o termômetro da praça marcava 7° C. Confessou o crime, mas o motivo alegado não convenceu as autoridades. Disse que Sarah devia a ela um dinheiro e não queria pagar …
Rosalina foi levada a uma unidade de saúde mental do sistema prisional, enquanto corre o processo. Seu advogado da Defensoria Pública alega ser ela pessoa inimputável, por estar com graves problemas mentais. O laudo psiquiátrico anexado por ele nos autos diz estar em surto psicótico, segundo os profissionais da saúde que a acompanham, desencadeado por um estresse relacionado, possivelmente, a seu declínio profissional.
Nos poucos momentos de alguma lucidez, Rosalina reporta ter ganhado muito dinheiro na vida, mas nunca soube economizar. Muitos parentes e supostos amigos abusaram de sua generosidade, tomando dinheiro emprestado e nunca devolvendo. Além disso, sempre foi consumista e esbanjava tudo o que ganhava. Gastava com roupas e acessórios de grandes grifes internacionais. Em seu apartamento foram encontrados mais de 50 pares de sapatos e 43 bolsas de marcas caras. Gostava de festas e frequentava restaurantes e bares da classe A.
Na idade atual, embora ainda muito bela, sua clientela está reduzida a menos da metade, nos anos futuros, certamente, diminuirá ainda mais. Além disso, é obrigada a cobrar valores mais baixos para atrair os frequentadores da rua, cuja preferência é pelas mais jovens, e há muitas delas para escolherem. A situação lhe causa muita ansiedade em relação ao futuro, pois pressente que ficará desamparada, por nunca ter conseguido fazer uma poupança.
Para agravar a situação, os médicos suspeitam de que durante toda a vida abusou de drogas pesadas e ilícitas. Ainda de acordo com a equipe de saúde, esse processo se transformou no que se denomina na linguagem da psiquiatria e da psicologia como “stalking”, um tipo de mania persecutória contra determinada pessoa, no caso, Sarah, por simbolizar a jovem que Rosalina já não é mais.
A polícia não se convenceu dessa versão e possui outra linha de investigação. O delegado responsável ouviu o depoimento de diversas colegas dela, mas os interrogatórios têm se mostrado infrutíferos. Inclusive Camila havia sido convocada a comparecer na delegacia por aqueles dias, mas avaliava não ter muito como ajudar, embora conhecesse Rosalina e soubesse de seu estilo de vida, mas nunca desconfiou de nada. Ao que se sabe, até o momento, ainda não se chegou à conclusão de qual teria sido a motivação do crime.