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Postura subserviente

Acostumado à paz e amor, Brasil silencia com horrores da guerra

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto Oleksander Rathusnik/Via AP

Embora muitos não tenham vivido ou, por razões diversas, preferiram esquecer os anos de chumbo, para a turma do entorno do presidente Jair Bolsonaro tanto faz o povo ter ou não liberdades. Fascismo real ou ditadura dissimulada são as principais distrações de qualquer um da seita formada a partir do cercadinho do Palácio do Planalto. São pessoas que, sem temer o ridículo, as forças do Alto ou a antipatia dos diferentes, se divertem com os horrores de uma invasão insana e torcem pela morte de um presidente eleito, cujo maior defeito é ser comediante de origem. Da mesma forma que negaram a letalidade de um vírus que matou mais de 650 mil brasileiros e negam a fome no país, os fundamentalistas se calaram diante do genocídio ordenado pelo “irmão” Vladimir Putin na Ucrânia.

São os deveres abjetos daqueles que abraçam causas pessoais, familiares ou, no máximo, de grupelhos fechados em ideais convergentes. Não há hipótese de pensar coletivamente, principalmente se os demais pensam diferente. Apesar da paixão pelos adjetivos patriota e nacionalista, nas eventuais concordâncias o desejo maior nunca é a pátria. O egoísmo é o que move a turba da ideologia ignorante e reacionária e que adora o servilismo, a subserviência, mesmo àqueles que deles esquecerão logo após a segunda curva. Me faz lembrar um velho novíssimo ditado, cujo objetivo é mostrar que quem vive somente para agradar as pessoas acaba se tornando um grande colecionador de arrependimentos

Politicamente, o aglomerado do quanto pior, melhor é atrelado ao que há de mais repulsivo no mercado eleitoral. Entretanto, se acham maravilhosos, acima do bem e do mal. Talvez por isso prefiram o simbolismo da morte à volta de adversários demonizados em nome de uma inexistente santidade do mito que idolatram. Temem a derrota, mas nada fazem de bom para modificar o status de despreparados. Para a eleição que se avizinha, a ordem é desqualificar os oponentes e desprezar tudo que governos anteriores realizaram de positivo para a sociedade. Bom, bonito e inesquecível só o que eles produzem.

Sem a possibilidade de novas facadas de última hora, acreditam que a recuperação dos votos que jamais tiveram ocorrerá com falseamento de informações ou ataques à honra daqueles que mais incomodam. Esquecem que perder tempo preocupado com o crescimento do jardim dos outros significa que as flores do seu murcharão sem que percebam, ou seja, as lagartas de hoje certamente serão as borboletas de amanhã. Em outras palavras, respeitar o limite e a vontade alheia deveria ser uma regra pacificada entre os seres humanos. Não é, pelo menos entre aqueles que não aceitam respostas díspares das que querem ouvir ou que não admitem perder uma disputa contra um ou mais contendores.

Agir como Pôncio Pilatos na ocupação ucraniana pela Rússia pode até não tirar votos de apoiadores da tirania. Todavia, vale registrar que o ânimo da maioria do brasileiro é no sentido inverso. Desde os hippies, na década de 60, o símbolo de paz e amor é o que nos move. No caso do nosso longo silêncio sobre a situação da Ucrânia, é necessário lembrar de três coisas fundamentais à vida: a humildade de não se sentir superior a ninguém, a coragem para enfrentar qualquer situação e a sabedoria para ficar quieto diante da estupidez de certas pessoas.

Foi o que fiz diante da maldade de alguns interlocutores que ainda não experimentaram o processo do desgosto. O silêncio tem sido meu grande companheiro. Sobre o conflito e a morte de inocentes, valho-me de Erich Alfred Hartman, piloto de caça alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, a guerra é um lugar onde jovens, que não se concedem e não se odeiam, se matam por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam. Repito o que já li neste mesmo espaço: Façamos sempre amor, nunca a guerra. Parafraseando 11 entre cada dez habitantes do planeta, tão repugnante como matar gratuitamente semelhantes é se calar diante da morte de inocentes.

*Mathuzalém Araújo é jornalista profissional desde 1978

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