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Circo a céu aberto

Água mole ensopou os gaúchos e a pedra dura agora ameaça o Brasil

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo

Entre o Brasil do politicamente correto e o Brasil da polarização desnorteada e do negacionismo criminoso há o pior de todos os Brasis: o da bandalheira, sinônimo de corrupção, ladroagem e sacanagem. É o país do vale tudo para se dar bem, inclusive concorrer, no presente e no futuro, para a morte de dezenas, centenas e até milhares de pessoas. Acusada de não divulgar o que é do interesse nocivo da direita, a TV Globo também não divulga o que a mesma direita, hoje oposição, julga como crítica sem sentido. E não é. Portanto, vivemos realmente em um circo a céu aberto.

Problemas sérios e capazes de matar são informados por meios de reportagens esporádicas e sem o mesmo peso, por exemplo, do salvamento do cavalo Caramelo. Em uma delas, li que o governo passado, aquele da honestidade extrema, afrouxou regras para construções nas margens de rios e lagoas. Abriu a porteira para que, na primeira crise climática, a água invadisse os imóveis de quem invadiu espaços alheios. Li também que a Prefeitura de Porto Alegre, administrada por um desses “patriotas” festivos, foi alertada há pelo menos seis anos sobre falhas no sistema contra enchentes.

Em setembro de 2018, dois engenheiros produziram um parecer confirmando as tais falhas. No laudo, os técnicos indicavam imperfeições no bombeamento do Rio Guaíba, o responsável pela inundação de Porto Alegre e da Região Metropolitana da capital gaúcha. Embora o Poder Público exista para pensar em soluções para os perrengues da população, nada fizeram. O alerta acabou no ralo. Para o governador e o prefeito da cidade, foi mais fácil culpar as chuvas. O resultado são 464 municípios gaúchos afetados pelas chuvas, 2,3 milhões de pessoas atingidas, das quais quase 600 mil desalojadas, cerca de 200 mortos e dezenas de desaparecidos.

Na eleição de outubro próximo e na de 2026, certamente os principais culpados por essa e outras tragédias estarão circulando pelo que sobrar da capital gaúcha e do país pedindo votos para um novo período de hibernação. Como a chuva deve ter ensopado a consciência dos eleitores, provavelmente eles serão eleitos, reeleitos ou elegerão alguém de confiança. E assim caminhamos para o buraco eterno da mesmice política: os homens públicos fingem que nos governam e nós, eleitores, fingimos que somos governados. É da natureza humana.

Aliás, é exatamente ela quem faz o Brasil correr mais rápido do que um foguete para o despenhadeiro. Ouço diariamente de uma amiga da infância carioca que chegamos ao cúmulo dos absurdos político, ideológico e, principalmente, social. Como a palhaçada impera em determinados segmentos públicos e a loucura permanece na mente histriônica e oca de milhares (talvez milhões) de brasileiros, não é demais afirmar que, coberto, o país vira circo e, cercado, certamente lembrará um hospício. Do meu catre empoeirado, mas ainda vistoso, tento manter o mínimo de sanidade dentro desse manicômio chamado Brasil.

Por causa de homens públicos como os que temos é que o Brasil figura na lista das nações com o sistema político mais obscuro do planeta. Sem margem de erro, ele é constituído em sua maioria por homens e mulheres sem ideais e sem grandeza. Portanto, até que as máscaras caiam, deixando partidos e políticos sem rosto e sem identidade, o país continua navegando por águas turvas e apinhadas de tubarões. Enquanto não somos atacados, o melhor é realmente fingir que acreditamos que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O saco e nada mais.

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