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TOC

Alceu, glutão até dizer chega, não resistia a um hambúrguer

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Alceu era portador de um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) da pesada. Maníaco na última, podia concorrer tranquilamente à Copa do Mundo de Obsessão Compulsiva (se essa barbaridade existisse) e sair vencedor.

Os mais jovens não devem se lembrar, mas houve uma campanha publicitária de uma gigante do ramo de fast food – junk food, comida-lixo, seria um termo mais preciso – em que se pedia ao consumidor que entoasse, cantasse, até mesmo dançasse (!) o jingle: “Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles num pão com gergelim”. Quem fizesse isso, ganharia o sanduíche de graça.

No Brasil, o jingle foi veiculado em 1983, a campanha um dia acabou e foi esquecida por todos. Quer dizer, por todos, menos pelos estudiosos de jingles publicitários e por Alceu. Dia sim, dia também, ele entra em uma loja da franquia e entoa a musiquinha. Depois, senta em uma mesa e espera por “seu” sanduíche.

Os rapazes e moças que trabalham na loja acham que ele é maluco e fogem de sua mesa como um diabo foge da cruz, mas há sempre um gerente que lembra vagamente da coisa e ordena que lhe sirvam, na faixa, o sanduíche. E assim ele vai vivendo, se alimentando mal, mas sem gastar um tostão. Só que o consumo maciço de gordura saturada e trans o fez engordar e, pior, detonou seu aparelho digestivo. Muitos suspeitaram de câncer, até ele, que não teve coragem de marcar uma consulta médica.

Certa noite, enquanto dormia, Alceu sonhou com uma entidade envolta em uma aura de luz. O ser ordenou-lhe: “Para ter uma boa digestão, antes das refeições, pronuncie xxxx” – e ensinou-lhe uma palavra de poder. O obsessivo compulsivo obedeceu e nunca mais teve problemas digestivos. Nos meses seguintes, Alceu ganhou outras senhas dos seres de luz para ter uma saúde satisfatória. Para urinar, para evacuar regularmente, até mesmo para manter estável sua pressão e regular os batimentos cardíacos. Ele as repetia religiosamente.

Coincidência ou não, melhorou, perdeu peso, deixou até de consumir apenas lixo. Espantados com a mudança para melhor, os amigos perguntavam-lhe o nome e o endereço de seu médico, queriam procurá-lo. Alceu permanecia em silêncio, respondia apenas com um sorriso enigmático, monalisesco. (Sei que, a essa altura, muitos estarão dizendo que palavras mágicas não existem, que as senhas para uma boa saúde não passavam de placebos oníricos. Pode ser – mas placebos funcionam quando se acredita neles, e Alceu acreditava, obsessiva e compulsivamente. E além do mais, isso é um conto, caramba!)

E então, quando caminhava, lépido, por uma rua de sua cidade, Alceu tropeçou em uma irregularidade da calçada e levou um tombo feio. Bateu com a cabeça no chão e perdeu os sentidos. No hospital para onde foi levado, os médicos detectaram-lhe um leve inchaço cerebral e decidiram sedá-lo. Pelo resto do dia, não houve entoação de palavras de poder. Alceu foi a óbito de madrugada, com falência múltipla de órgãos.

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