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Vida ralada

Aloísio, enfim garçom, sonha com aposentadoria

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Aloísio, bem antes de ter a carteira de trabalho assinada, já havia ralado muito em troca de cascalho para sobreviver. Não que quisesse acordar de madrugada para correr atrás do pão de cada dia, mas era o único jeito de continuar vivo diante de tanta penúria.

Quando adolescente, conseguiu emprego de office boy. Foi um alívio, pois, apesar da correria na rua, sentia-se confortável quando se via diante daquelas filas quilométricas nos bancos. Enquanto aquela gente reclamava da demora, o garoto curtia o geladinho do momento.

De volta à calçada, os pés voltavam a sentir por conta dos sapatos apertados. Precisava pisar firme, pois a sola gasta poderia fazê-lo perder o equilíbrio se pisasse num chão mais liso ou escorregasse numa casca de banana. De tantos tombos na vida sofrida, Aloísio já estava mais que calejado. Se caísse, não lhe restava nada além de se levantar.

Homem quase feito e sem maiores perspectivas de futuro, foi despedido pela inadiável contenção de despesas. Não se sabe se ficou desesperado, mesmo porque o tormento era perene no seu cotidiano. Todavia, graças aos contatos que ainda mantinha com antigos miseráveis, conseguiu bico de chapa num depósito de bebidas.

Ombros calejados, carregava e descarregava centenas de engradados e, ao final do dia, recebia o suficiente para não passar fome. Ficou nessa labuta por quase cinco anos, quando, durante a entrega de cervejas e refrigerantes em um restaurante, foi testemunha de contenda envolvendo o dono e um garçom. Por pouco não saiu morte, apesar de ninguém sair lesionado. De ameaças, só restou a demissão do tal garçom.

Rubens, o dono do restaurante, que conhecia Aloísio de longa data, o convidou para trabalhar ali. O homem aceitou de pronto, mas não porque possuía alguma experiência no ofício. Entretanto, entre engradados e bandejas, percebeu que as últimas eram muito mais leves.

Após alguns copos e pratos quebrados, Aloísio até que se saiu bem. O salário, que não era dos melhores, era acrescido de gorjetas, algumas polpudas. Não que fosse ficar rico, mas já dava para colocar uma ou outra fatia de queijo no pão de sal.

O homem, agora perto dos 70 anos, continua no mesmo restaurante. O antigo patrão faleceu há quase dez anos, mas o herdeiro fez questão de manter o velho garçom, que já faz parte da tradição do local. Tanto é que os fregueses sempre puxam papo com o Aloísio, como aconteceu na semana passada.

— Aloísio, há quanto tempo você trabalha aqui?

— Há 43 anos.

— Muito tempo, hein!

O velho garçom sorriu o que dava para sorrir e, já saindo, foi instigado a responder novo questionamento.

— Mora perto daqui?

— Não.

— Não tem vontade de morar perto?

— Não.

— Gosta de morar onde mora, né?

— Não.

— Então, onde você gostaria de morar?

— Na aposentadoria.

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