Curta nossa página


Douglas, o segurança de cabaré

Amante no trabalho perde fruto da grana do bicho

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção de Irene Araújo

Douglas, apesar do nome pomposo, não passava de reles mortal, desses que diariamente são pisados por quem nasceu com os pés bem calçados. E, caso a sola fosse pontiaguda, tratava logo de aprumar o lombo e aceitar a sina que lhe cabia.

O homem não chorava mágoas, mesmo porque não lhe sobrava tempo para tal, já que o trem não iria prolongar a parada por bico de resmelengo. Corria sem tempo para pensar e, junto à massa, firmava o corpo para não perder o equilíbrio com o sacolejar do vagão. Até sobrava um sorriso quando, finalmente, descia na Central do Brasil, de onde apressava o passo até o Largo da Carioca, mesmo porque era prudente economizar o dinheiro do metrô para momentos de maior precisão.

Aquela rotina, que se iniciara há mais de uma década, só lhe dava folga aos domingos, isto é, desde que não tivesse que fazer um extra pelo Centro. Para quem não nasceu endinheirado, um a mais era muito bem-vindo. De faxineiro, garçom, porteiro ou guardador de carros, Douglas se travestia de acordo com a ocasião. Até segurança de cabaré, emprego arranjado muito mais por indicação do que pelo físico, pouca coisa além de franzino.

Douglas, aconselhado por um mais tarimbado, logo percebeu que um olhar vazio, aliado a um bigodinho bem aparado, era mais que suficiente para desencorajar quase todos os fregueses indispostos ao pagamento pelos serviços prestados pelas funcionárias do recinto. É verdade que, para os demais, havia um outro remédio, bem firme à cintura. Um bom cassetete de madeira envolto com couro numa das pontas, para não causar calos nas mãos de quem batia.

O gajo, por mais complicadas situações que enfrentava, jamais havia retirado o porrete, a não ser para o guardar na gaveta da sala da cafetina, quando o turno se findava. Não seria ele a se indispor com algum bacana por conta de mal-entendido. Douglas sabia seu lugar e, de lá, só arredava o pé se fosse para fazer as vontades de Larissa, uma das mais requisitadas do local. O homem, na verdade, parecia arrebatado por aquela beldade. E, certamente, estava!

– Você tem namorado, Larissa?

– Por que essa pergunta, Douglas? Tá pensando em me pedir em namoro?

Sem pedido formal, o romance daqueles dois quase não aconteceu, caso não fosse por um desses acasos que não costumam surpreender os azarados. Douglas, que nem jogava no bicho, acordou certo dia e apostou no burro.

Deu burro! Não ficou rico, mas ganhou o suficiente para não precisar economizar no dinheiro do metrô por um bom tempo. Supersticioso que era, não gostava de mudar de hábitos assim tão de repente. Continuou indo a pé da Central do Brasil até o cabaré.

– Douglas, por que esse sorriso bobo? Por acaso ganhou na loteria?

– Larissa, minha flor, pois você acredita que ganhei no bicho?

Aqueles dois engataram um romance, ou melhor, namorico, mesmo porque Larissa, moça dedicada ao ofício, não tinha lá muito tempo para dar atenção a outro, ainda mais quem quisesse usufruir daquilo tudo sem meter a mão no bolso. Ah, não mesmo! Alguns beijinhos e, vá lá, uns amassos aqui, outros ali.

Por mais que a mulher tentasse, não conseguia arrancar um vintém do pretendente. Mas o quê? Se aquele dinheiro não lhe era devido, era mais que óbvio que aquele corpo, com tantas curvas a serem exploradas, se fazia merecedor.

Diante daquele impasse, Larissa não teve escolha e, então, confidenciou suas intenções aos irmãos, dois trogloditas sem tutano, mas recheados de disposição nos músculos. Sequestro! Isso mesmo, meu senhor!

A princípio, o plano era repleto de detalhes, mas que, por conta da incapacidade intelectual dos executores, se transformou em um simples assalto no momento em que a vítima estaria retornando para o lar, doce lar. E foi como aconteceu naquela madrugada, quando um sonolento Douglas abriu a porta do seu modesto quarto e sala em Madureira.

Douglas nem tentou reagir. Tratou logo de levantar o velho colchão da cama, onde havia guardado a quantia exata de doze mil reais. Ele até pensou em depositar tudo no banco, mas ficou com medo de ser pego em alguma malha fina do tal leão do Imposto de Renda.

O homem perdeu tudo. Ficou triste, é verdade. Mas logo tratou de se recompor, pois, afinal, nunca tivera mais do que o suficiente para não ter que virar mendigo. Não virou, ainda mais porque continuou a usar as pernas para caminhar da Central do Brasil até o cabaré. Nada de metrô! Aquilo era luxo.

Larissa pagou o que devia aos irmãos. Quinhentos para cada um e nada mais. Estava de bom tamanho. Não seria ela que iria sustentar vagabundo. Se quisessem mais, que corressem atrás dos próprios sonhos.

Pois bem, mas coincidência pouca é bobagem. E não é que, dois dias após o roubo, aqueles dois trogloditas apareceram justamente no trabalho da irmã? Isso mesmo! Não foram lá para pedir dinheiro, mesmo porque sabiam que Larissa era linha dura. Foram gastar tudo com as colegas de labuta da irmã.

Douglas, cuja vida o moldou imune a traumas por conta de um mero assalto, bateu o olho naqueles dois e, logo, os reconheceu. Pensou em chamar a polícia, mas não o fez, pois, antes de pegar o aparelho celular no bolso, viu a sua amada indo em direção à mesa daqueles homens. O segurança se aproximou dos três, quase ao mesmo tempo em que Larissa lhe lançou o sorriso mais lindo do cabaré.

– Douglas, quero que conheça meus irmãos.

O homem ficou estático, mas, incapaz de fazer gestos que demonstrassem qualquer animosidade. Estendeu alegremente a mão para cumprimentar os, agora, quase cunhados. Não que eles um dia fossem, realmente, se tornar, já que Larissa gostava de respeitar as regras da casa, ou seja, se consumiu, tem que pagar.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência Estadão, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.