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Aguinaldo

Amigos durante a adolescência se reencontram depois de velhos

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Um herói civilizador, que nem o Kukulkán maia, a Serpente emplumada ou a Estrela d’alva, a quem os astecas chamavam de Quetzalcoatl: era essa a opinião de Eduardo sobre seu amigo Aguinaldo. Os dois se conheceram nos longínquos anos 1970, quando Eduardo começou a namorar uma grande amiga do Kukulkán paulistano. (Eduardo casou com a moça e descasou, mas isso é outra história)

O que deu à Estrela d’Alva da paulicéia sua dimensão de desbravador cultural foi um episódio, atribuído a ele, que conquistou multidões urbi et orbi. Diz o relato que Aguinaldo, por volta dos quatorze anos, estava em casa de um amigo, quando a mãe dele perguntou, solícita.

– Aguinaldinho, meu filho, você vai jantar conosco, não vai? Gosta de fígado com jiló? (Ou outra coisa incomível, a critério do leitor.)

Aguinaldo respondeu, todo cortesia:

– Gosto. Mas não a ponto de comer.

Esse diálogo ficou famoso entre os amigos de Eduardo, que o utilizaram a torto e a direita, na maior parte das vezes com conotações libidinosas. E mais, atribuíram a pérola de resposta a Eduardo, por mais que o atleta o desmentisse, fiel ao preceito bíblico de dar a César o que é de César, dar a Deus o que é de Deus, dar a Aguinaldo o que é de Aguinaldo.

Os dois passavam horas jogando xadrez e trocando farpas, com o humor ferino que era a marca registrada de ambos. Curtiam, em especial, a brincadeira de calhorda, tirada, creio, de uma tirinha de O Pasquim (a memória deste escriba é uma lama). Consistia em afirmar o óbvio e emendar, no final, um “né, calhorda?”. Tipo assim:

– Lendo este texto, né calhorda?

– Sim.

– Concordando comigo, né calhorda?

E por aí seguia, até que um dos dois, cansado da brincadeira, dissesse:

– Calhorda é você!

E então vinha il gran finale:

– Me chamando de calhorda, né calhorda?

Ambos riam dessa bobagem. Era uma delícia ser bobo e jovem, nos anos 1970.

Só que, como ensinou Cazuza, o tempo não para, Aguinaldo e Eduardo seguiram trajetórias diferentes, nunca mais se viram. Foram se reencontrar mais de 40 anos depois, no aniversário da ex-esposa de Eduardo, que permanecera amiga dele.

Os dois veínhos se olharam. Aguinaldo foi o primeiro a falar, visivelmente emocionado:

– Oi Eduardo, a quanto tempo! Que saudade, amigo!

A bola ficou viva na área, Eduardo encheu o pé. Gostava de Aguinaldo, mas não a ponto de deixar passar uma oportunidade daquelas. E fuzilou:

– Ficou emocionado, né calhorda? Me cumprimentando, né calhorda? Vendo que os anos passaram, né calhorda? Sentindo saudade, né calhorda? Me chamando de amigo, né calhorda?

E se afastou, vitorioso, enquanto o amigo tentava recuperar as regras de um jogo, desbotadas pelo tempo.

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