Perche
Amir comparava algumas pessoas a cavalos
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Amir amava cavalos – talvez por atavismo, seu bisavô fora proprietário de um haras no Marrocos, especializado na criação de cavalos berberes e árabes, aparentados, descritos pelos poetas do Magreb como “filhos do vento”. Mais que isso, ele comparava a equinos algumas pessoas com as quais se relacionava, no trabalho. Por exemplo, um jovem brilhante e rebelde, destinado a subir ao topo da empresa – ou a ser triturado pelas engrenagens corporativas – era chamado de mustang, termo usado nos Estados Unidos para designar um cavalo selvagem, indomado; alguém novo na empresa, que ainda não dominava seus atalhos, não conhecia o caminho das pedras, era qualificado como redomão – versão gaúcha do gaucho redomón, referente, nos pampas uruguaios e argentinos, a um cavalo recém-domado, que ainda não está bem manso. E assim por diante, não faltavam características equinas para a categorização.
Foi em uma festa de fim de ano na empresa que Amir conheceu Rosana. Era grande, alguns centímetros a mais que o 1,80 m dele, de feições atraentes, loura, com uma cabeleira que chegava quase à cintura. Não era gorda e sim maciça, de ossos pesados. “Uma valquíria da mitologia nórdica”, pensou, mas então observou suas canelas largas e a listou em outra categoria:
“Uma potranca percheron”.
De fato, das canelas grossas à cabeleira (crina) abundante, passando pela estrutura corporal maciça, vários aspectos da moça remetiam aos enormes cavalos de tração criados originariamente na região francesa de Perche.
Passou a referir-se a ela por esse nome, alguns amigos acharam graça, o apelido espalhou-se pela empresa, chegou aos ouvidos de Rosana. Ela reagiu com uma mescla de tristeza e contentamento. Tristeza por não ser nada lisonjeiro ser comparada a uma égua; contentamento por Amir tê-la notado, desde a festa ela estava muito a fim dele.
Como costuma acontecer, o inevitável aconteceu. Rosana e Amir foram a um barzinho depois do expediente, com outros colegas de trabalho, saíram juntos, levemente bêbados, ele a acompanhou até a casa dela, foi convidado a subir, começaram a se pegar no elevador, arrancaram-se as roupas mal entraram no apartamento, foram pro quarto, treparam feito coelhinhos, ou melhor, como um garanhão e uma égua no cio. Os quadris largos da Perche ondulavam sobre ele, levando-o ao orgasmo; Amir percebeu que ela, como todo equino de tração que se preze, tinha forças para prosseguir sem parar, a noite inteira. Ele não tinha tanta resistência, pediu pra dar um tempo. Depois recomeçaram, em um ritmo menos exigente. Só deram por encerrados os trabalhos às 4 da madrugada.
De volta a sua casa, depois de tomar um banho e um bom café, Amir pensou no que acontecera. A transa foi uma delícia, ele queria mais, tinha certeza de que a Perche também. Não estava apaixonado, mas sentia algo quente e gostoso em seu peito, um sentimento calmo e reconfortante; não seria difícil amar aquela mulher.
Continuaram a se encontrar. Ele encantou-se com a tranquilidade da moça, bem adequada a um animal de tração; também percebeu que, por vezes, quando se julgava injustiçada, a placidez de seu olhar cedia lugar a olhos de fogo e ela reagia com tudo. Isso não o surpreendeu, percherons, com sua força descomunal, moviam pesados canhões nos campos de batalha. Ele, por sua vez, sabia, tinha como animal de poder um cavalo berbere ou árabe, rápido e nervoso. Desse modo, os dois se complementavam, velocidade e resistência, tranquilidade e explosão. “Um casal perfeito”, comentavam os amigos.
Amir e Rosana já discutiam a possibilidade de morar juntos, até mesmo de casar de papel passado, quando, meses depois, ela informou que estava grávida.
– Você quer mesmo levar a gravidez até o fim?
– Claro que quero! – respondeu a Perche, com um olhar perigoso, flamejante de indignação. – Mas você não precisa ficar comigo, seguro a barra sozinha, peço apenas que dê seu nome à criança.
– Você acha que abandonaria a mãe do meu filho ou filha? Vamos em frente, nós três.
Os meses passaram, Rosana entrou em trabalho de parto, Amir a acompanhou ao hospital. Depois do nascimento, segurou a filha pela primeira vez. Notou as patinhas peludas, as canelas grossas…
– Uma linda potrinha percheron – pensou, satisfeito. – Da próxima vez, tenho certeza de que vai nascer um potro berbere, menor que a irmã, porém de focinho mais longo e pernas mais compridas e elegantes que as dela. Ou um cavalinho árabe, de focinho mais delicado, e pernas fortes mas esguias, feitas para correr como o vento. Será um prazer criá-los, ou melhor, adestrá-los!