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Canonização foi ao papa

Anjo Fachin muda tom e rumos da nossa política

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Denominado anjo pela turma mais tranquila da esquerda, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin deve ser indicado ao papa Francisco para futura canonização. Conhecedor da beligerância latina, o pontífice argentino também terá de avaliar pedidos urgentes de demonização do outrora quase santo Sérgio Moro. Quanto a Fachin, a eventual honraria de santo milagreiro não é totalmente absurda. Com uma única e silenciosa canetada, além de devolver (já na metade do segundo tempo) Luiz Inácio Lula da Silva ao esburacado gramado eleitoral, colocou o ex-juiz da Lava Jato na marca do pênalti e ainda conseguiu a proeza de fazer o presidente Jair Bolsonaro trabalhar pensando no país, reconhecer a Covid-19 e sua letalidade, usar máscara e defender a vacina como forma mais eficaz de conter de o vírus.

Dormir e acorda dois ou três dias foram suficientes para entender as razões pelas quais o professor e ex-advogado Edson Fachin mexeu no tabuleiro eleitoral, sacudiu o Brasil e obrigou o ministro Gilmar Mendes a tirar Moro do armário (o habeas corpus sobre a suspeição do ex-juiz estava engavetado desde 2018). Considerando a decisão como simples tentativa de salvar o que sobrou da Lava Jato, ou seja, nada teve de política, o ministro mereceu os elogios de Lula em sua primeira aparição pública após ser solto, em novembro de 2019, depois de 580 dias preso. Durante [CC1] hora e meia de um novo discurso de “apresentação” e de rápida e harmoniosa entrevista, Lula, como num passe de mágica e depois de dias de respectivas altas e quedas, “fez” o dólar cair 2,50% e a Bolsa de Valores subir 1,30%. Isso, segundo apoiadores, sem qualquer formalização de candidatura.

Em contrapartida às fake da semana passada, quando o governo brasileiro despachou uma comitiva para “vender” vacinas para Israel, os fatos dos últimos dias comprovam que a enorme diferença entre o ex e o atual presidente da República é simplória, mas determinante. Refiro-me à inteligência política. Ambos odeiam a imprensa, mas somente um a xinga e a culpa diariamente pelas mazelas do país. Embora saibam que dependem deles para governar, os dois já deixaram claro em oportunidades distintas que têm ojeriza a políticos bajuladores (eufemismo de negociadores). Entretanto, apenas um usou o peso de um general para dançar jocosamente contra um segmento do Congresso Nacional que, queiram ou não, garante a governabilidade. Para assegurar apoio, o presidente e o militar foram obrigados a uma contradança.

Aportuguesando o termo em latim alea jacta est, o presidente Bolsonaro está ciente de que, definitivamente, a sorte foi lançada. E tanto sabe que, dois dias depois da decisão de São Fachin, já protagonizou situações atípicas no Palácio do Planalto. Ao contrário de inflamados discursos anteriores, organizou cerimônia pública para sanção de projeto garantindo ao governo federal a compra de vacinas da Pfizer e da Janssen e, na sequência, a pedido do senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), apoiadores lotaram as redes sociais com a foto do capitão usando máscara e expondo o texto em defesa da vacinação. Mesmo que mantenha a facilidade de criar inimigos, o resumo da ópera é que o ocupante do Palácio do Planalto apequenou-se diante do novo quadro e percebeu que, apesar do poder concedido pelas urnas, ainda não o único dono do mundo.

Se confirmadas, as sandálias da humildade não devem ficar restritas ao postulante natural de um novo mandato presidencial. Elas também devem ser usadas por todos que almejam a cadeira, especialmente pelo desafiante surgido das cinzas, que deve repetir à exaustão a frase “Não tenham medo de mim”, e pelo demonizado ex-ministro da Justiça. Números de uma pesquisa encomendada e divulgada ontem (10) pela CNN Brasil mostram que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro e Lula disputariam voto a voto a preferência do eleitorado. De acordo com a consulta, o presidente da República teria 31% dos votos, contra 21% de Luiz Inácio. Na sequência, Sérgio Moro, que ainda não está morto, conquistaria 10% dos eleitores, empatando tecnicamente com Ciro Gomes (9%), Luciano Huck (7%) e João Dória (4%). Vale destacar que, entre todos, Jair Messias Bolsonaro é o único em campanha desde a posse, em janeiro de 2019.

O que nenhum dos candidatos deve esquecer é que, até novembro de 2020, no mínimo, o adversário a ser batido atende pela alcunha de pandemia, mas que já teve várias denominações. Antes de operar na faixa pandêmica, a Covid-19 foi conhecida por SARS-CoV2, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), Vírus Sincicial Respiratório (VSR), Novo Coronavírus e até gripezinha. Abandonada pelo governo, envelheceu, dividiu o país, deixou feridas que não cicatrizam e transformou pessoas em números. Pior de tudo é que ninguém sabe quando acabará. Hoje (11), somamos 111.202.305 infectados e 270.656 mortos. Quantos seremos amanhã? Quantos sobrarão depois de amanhã?

Somente agora, um ano após o início da doença, o povo brasileiro se deu conta de que enfrentamos uma guerra de extermínio. Melhor, começa a descobrir que o Brasil está acima da esquerda ou da direita, cada vez mais distante dos extremismos e muito mais próximo do centro. Não seria sinônimo de rebaixamento o presidente e seus oponentes baixarem o tom da disputa eleitoral e, com a humildade que o momento exige, acatarem o pacto nacional pela vida e pela saúde proposto por 22 governadores que não têm mais onde internar nem intubar doentes. Passou da hora de atentarmos para uma resposta de Tenzin Gyatso, o 14º, Dalai-Lama sobre surpresas da humanidade. Segundo o líder do budismo tibetano, “Pensamos ansiosamente no futuro, esquecemos do presente de tal forma que acabamos por não viver nem o presente nem o futuro. E vivemos como se nunca fôssemos morrer….e morremos como se nunca tivéssemos vivido”

*Wenceslau Araújo é jornalista

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