Cabeça erguida
Apesar das feridas antigas, Nordeste insiste em brotar para um futuro melhor
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No mapa dobrado do Nordeste, algumas manchas ainda parecem carregar o peso de séculos. São bolsões onde a terra insiste em dar mais trabalho do que fruto, e onde a renda escorre como um riacho tímido, sempre encontrando atalhos longe das mãos que mais precisam. A desigualdade, velha moradora dessas bandas, caminha com passos lentos, mas firmes, tropeçando nas mesmas pedras desde os tempos do império.
Nos vilarejos menores, a agricultura — que já foi rainha coroada pelas chuvas certas — hoje vive numa espécie de suspensão. Falta tecnologia, faltam investimentos, faltam até sonhos de futuro. O campo, no entanto, guarda uma teimosia bonita: cada amanhecer joga um balde de luz nova na desconfiança, como se o sol escrevesse no chão: recomece. E, de fato, recomeçam — do feijão caprichado ao queijo que lembra infância, tudo ali insiste em resistir.
Mas enquanto uns replantam a esperança, outros enfrentam a sombra longa da concentração de renda. Há lugares onde o dinheiro se comporta como pássaro arisco: pousa sempre nos mesmos telhados. O povo vê, conhece o canto, mas quase nunca o alcança. E isso desenha um Nordeste múltiplo: de cidades que brilham como vitrines modernas e de comunidades que ainda costuram o cotidiano com linha curta.
Mesmo assim, o Nordeste não se rende. A desigualdade pode ser uma velha ranzinza, mas a criatividade do povo é uma espécie de vento inesperado que vira a situação de lado. A cada projeto comunitário, a cada roçado reinventado com técnicas novas, a cada jovem que decide estudar agroecologia ou economia solidária, a região vai abrindo pequenas fendas de futuro.
O Nordeste sabe: cicatrizes não somem facilmente — mas podem, aos poucos, virar mapas de onde não queremos mais voltar. E é nessa travessia que mora sua força.