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Memória acumulada

As cidades que carregamos não são só o concreto

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Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

A cidade acorda sem pressa, mas nós corremos. Corremos para os ônibus lotados, para os relógios que nos lembram de compromissos que não pedimos para carregar, para encontros que prometemos e já sabemos que não serão suficientes. Mas a cidade não nos pertence; nós pertencemos a ela. Cada esquina guarda histórias que não vemos: a vendedora de pão que sorri apesar das dívidas, o jovem que aprende cedo que sonhos se medem em espaço disponível, o idoso que percorre a mesma calçada que, anos atrás, viu sua infância evaporar em construções cinzentas.

Enquanto passamos por essas ruas, esquecemos que fazemos parte de um coletivo que cria e destrói em silêncio. Não é apenas o barulho do trânsito que nos sufoca, mas a falta de atenção ao que é humano em cada corpo que cruzamos. Cada gesto de indiferença que pensamos ser nosso, é uma pequena erosão na cidade que compartilhamos. E, ainda assim, respiramos juntos o mesmo ar poluído, sentimos o mesmo calor das calçadas e, de alguma forma, dividimos os mesmos medos que ninguém admite em voz alta.

Se olharmos com cuidado, veremos que a cidade não é apenas concreto: é memória, é expectativa, é fragilidade humana acumulada. E nós somos partes dessa cidade, mesmo quando fingimos que somos ilhas. A pergunta que permanece, então, não é o que cada um de nós sente, mas o que nós, enquanto sociedade, estamos construindo nas calçadas, nas conversas, nas escolhas que fazemos todos os dias. Porque nenhuma de nossas vidas isoladas existe sem tocar a vida do outro, e nenhuma rua, por mais vazia que pareça, está livre de quem a habita em silêncio.

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