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Rotina em 10m²

Até onde vai o limite do espaço físico no apartamento?

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Autor/Imagem:


Gustavo Calazans

Há poucas semanas saiu uma notícia que deixou muitos estarrecidos: o lançamento do menor apartamento da América Latina. Apenas 10 metros quadrados. Sim, você leu bem, dez metros quadrados. Imagine que apenas um quarto nos anos 80 tinha aproximadamente essa metragem – e assim os anos 2010 nos trouxeram, para muito além da diminuição da dimensão dos quartos, a redução de um apartamento inteiro a um único desses cômodos.

As quitinetes têm essa mesma característica de abrigar em um só espaço todas as funções da casa, mas elas nunca foram tão diminutas. Um vídeo da construtora apresenta o apartamento e demonstra uma mobília ‘inteligente’ que se articula, possibilitando uma vida encaixada. Literalmente.

Isso me fez refletir sobre uma clássica pergunta: quando pensamos na construção de um lar, seria o seu tamanho documento? De bate-pronto, tenderia a responder que não. Afinal de contas a dimensão de uma casa não me diria muito sobre as experiências vividas nela. Mas, em segundos, um novo pensamento me vem à mente.

Nossas experiências se desdobram no binômio tempo e espaço. Portanto dependemos de uma quantidade equilibrada de ambos para que possamos fruir da vida com prazer. Embora não haja uma relação de proporcionalidade – ou seja, de que quanto maior seja uma casa, mais lar ela se torne -, não consigo deixar de pensar que grandes limitações espaciais podem criar complicações para a existência.

Embora o tamanho de uma casa não meça a felicidade que ali se produz, a sua capacidade de acolher experiências felizes pode ser comprometida quando chegamos a limites tão restritos. Assim como podemos pensar em relação ao dinheiro, a vida em extrema privação de espaço pode sim ser afetada quanto às suas possibilidades de satisfação. E da mesma forma, ir para o polo oposto não é garantia de que se evite a insatisfação.

Viver numa casa onde, para levantar da cama, é preciso passar por cima do seu companheiro diariamente ao acordar, talvez aumente exponencialmente os riscos de conflito. Pensar que, para se fazer uma refeição nesses 10 metros quadrados, será necessário abaixar uma mesa recolhida dentro de um armário – o que vai demandar que se deslize uma porta de correr por sobre a bancada da cozinha, de forma a liberar a descida da mesa – irá requerer uma coreografia de passos ensaiados: enquanto a panela, que foi tirada do fogão segundos antes de encerrá-lo por trás do painel deslizante da TV, estiver em uma das mãos, na outra estarão pratos e talheres habilmente equilibrados; a porta se moverá com o auxílio do antebraço ao passo que uma das pernas sustentará todo o conjunto e a outra, levantada, puxará a mesa para baixo.

Se você conseguiu visualizar essa cena de malabarismo, tente imaginá-la agora sendo repetida três vezes por dia. Importante lembrar que esses não serão os únicos malabares dessa vida encaixada. Há que se gostar muito de contorcionismo, sem falar da necessidade de um bom condicionamento físico. Quilinhos extras então, nem pensar.

Quem me conhece sabe que acredito muito na possibilidade de uma vida com menos espaço. A tragicômica descrição acima só busca lembrar da importância de colocarmos limites às próprias limitações que estamos nos impondo. Há mais de 7 anos eu mesmo brinquei de projetar uma casa modular que tinha ‘fatias’ deslizáveis que permitiam que os ‘cômodos’ fossem encolhidos ou expandidos de acordo com a necessidade do momento. Se estivesse cozinhando e comendo, recolheria o escritório e o quarto, por exemplo.

A proposta foi metonimicamente desenvolvida num curtíssimo espaço de tempo e tinha inúmeros gargalos. Sua intenção era levantar questionamentos não apenas quanto à área que necessitamos para viver, mas sobretudo uma reflexão sobre a rigidez dos nossos hábitos e a falta de flexibilidade das nossas casas – e dessa forma falar da insustentabilidade e da ganância de se pensar que mais e maior seja sempre melhor.

Sei que muitos padecem mais do mal de terem pouco do que demais. E nesse sentido acredito que projetos desenvolvidos com inteligência e determinados a usar a engenhosidade em benefício do bem-estar são muito bem-vindos. Ao mesmo tempo que reduzem espaços desnecessários, agregam maior funcionalidade àqueles espaços fundamentais.

A questão está em discernir quando devemos parar de encolher as paredes e deixar essa cena de esmagamento de filme de ação restrita apenas às telas da sessão da tarde.

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