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Arquétipos

Até os deuses gregos não perdem uma festa de arromba

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Reunião no Olimpo grego.

Enquanto todos enchiam os cornos de néctar (e vinho, que ninguém é de ferro), mordiscavam pedaços de ambrosia e alguns e algumas, já pra lá de Marrakesh, passavam a mão na bunda dos belos efebos que enchiam as taças, Zeus, o deus supremo, pigarreou para chamar a atenção, pediu silêncio e falou:

– Moçada, um perigo nos ameaça: o de nos tornarmos arquétipos.

– O quê? Como? Por quê?

Divindades gregas, claro, falam grego, conheciam a palavra arkhétypos, que significa “modelo original”. Só não sabiam em que contexto o deus dos deuses usara o termo. Ele explicou:

– Ao sermos vistos como arquétipos, nos tornamos modelos de comportamento para os mortais. Isso exige a ênfase em alguns aspectos de nossa personalidade e o descarte de outras. E a coisa vai longe, um pensador, Carl Gustav Jung, conceituou os arquétipos como “imagens primordiais originadas de uma repetição progressiva de uma mesma experiência durante gerações, armazenadas no inconsciente coletivo”. É como se gerações seguidas fizessem de mim, Zeus, a imagem de um governante preocupado apenas em manter tudo estável. E já viu, tá no inconsciente coletivo, não sai nunca mais. E eu sou muitos, não apenas uma divindade arquetípica! – explodiu. – Sou mulherengo, minha esposa Hera que o diga (a primeira-dama do Olimpo concordou em silêncio, com um suspiro de resignação), por vezes injusto e colérico, e por aí vai.

– Pai, os humanos fizeram pior ainda com seu parça romano, Júpiter – acrescentou Apolo, deus sábio, inspirador da poesia e das profecias, entre muitos outros atributos. – Ele está arquetipicamente associado à expansão, à justiça, à busca de conhecimento. Virou uma estátua majestosa, sem um só pecadinho de carne que lhe dê vida.

– O pior é que a coisa não é apenas comigo e Júpiter – prosseguiu Zeus. – Você, Ares – e apontou para o deus da guerra, a quem os romanos chamam de Marte –, é atualmente visto como o arquétipo do guerreiro, mas também do cafajeste brigão.

– Se alguém me chamar disso eu cubro de porrada – rosnou o deus guerreiro.

Zeus suspirou.

– O pior é que, no seu caso, os pensadores mortais têm um pouquinho de razão. Mas o mecanismo é o mesmo: descartam vivências suas, como seus amores, e só veem o que querem ver.

– Pai, existe algo que possamos fazer pra mudar isso? – perguntaram, em coro, Ártemis, Atena e Hebe, todas filhas do deus supremo.

– Não muito. Estava pensado em cada um visitar em sonho um mortal que pesquise ou escreva sobre arquétipos e exigir que ele mencione outros aspectos menos conhecidos da divindade abordada, tipo atos de malvadeza para os vistos como bonzinhos (Apolo corou, sem graça), ou de bondade para os vistos como bestas-feras (foi a vez de Ares perder o rebolado). Quem sabe dá resultado…

Parou de falar e dirigiu um sorriso lascivo a uma das poucas deusas e semideusas que não eram filhas suas:

– E agora vamos à bacanal, contribuição maior de meu filho Dioniso ou Baco para nossa corte divina. Tô com um tesão arretado!

A descrição da orgia não vou fazer, ou o conto não será publicado. Mas advirto a tigrada que escreve sobre arquétipos: preparem-se para receber a visita, onírica, das divindades do Olimpo. Eles vão exigir que vocês mencionem tudo, que determinada deusa sapateava, que um semideus guerreiro era uma vagaba despudorada na cama ou, ao contrário, uma donzela tímida etc. Então, pesquisem episódios nessa linha. E se não encontrarem, inventem!

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