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Turma do contra

Bandidagem mira posse de armas

Publicado

Autor/Imagem:
Marc Arnoldi

A década de 2000 no Brasil foi marcada pelas políticas de desarmamento. Não só as públicas, como o próprio Estatuto, mas também por uma sociedade que identificava as armas de fogo como principal causa da violência crescente. Atingido patamares quase guerreiros, a taxa de homicídios tinha subido inexoravelmente.

Acima de 25 por 100 mil habitantes, a solução parecia ser matemática e lógica: menos armas em circulação, menos chances de ser morto. Ainda mais porque o cidadão “de bem” não sendo profissional (contrariamente ao bandido e às forças de segurança), seu manuseio era mais temerário.

Estatísticas mostram que a reação a um assalto é fator agravante quanto ao desfecho do crime. A imprensa seguiu a mesma linha, e links ao vivo mostrando entregas voluntárias de armas pelo Brasil se multiplicaram. Na esteira das passeatas pela paz, com roupa branca de praxe.

Houve mesmo uma baixa dos homicídios, em 2007, um ano após a realização do plebiscito que pedia a proibição total das armas e que foi rechaçado pela população, de Norte a Sul, com relevantes percentuais. E apesar de grande campanha dos governos, da mídia, dos políticos (exceção notável de Alberto Fraga em Brasília), dos universitários, dos “formadores de opinião”. Enfim, da parte da sociedade que vive em condomínios fechados e se desloca em carros blindados, quando não acompanhados de guarda-costas.

O caminho apontado para a redução da violência era a educação. E ainda é, sem dúvida. Mas quais foram as medidas de fato implementadas? O sistema escolar ficou cada vez mais violento, os professores hoje temem até por suas vidas em certos colégios. O tema Segurança Pública se politizou, trazendo várias teorias e muitas boa intenções. Que raramente saíram do papel.

Já em 2008, a taxa de homicídios voltou a subir. E não para mais desde então. A conscientização funcionou, o rigor da lei também… mas não para a bandidagem. Não só não entregaram nem as pistolas de água, como entraram numa escalada que os faz hoje ostentar armas de guerra.

Em vários bairros das grandes cidades, mas também em áreas rurais, o próprio Poder Público confessa não estar em condições nem de entrar. Muito menos controlar qualquer coisa, é claro. Fernando Haddad publicou no Twitter uma mensagem que começa por “pouca gente sabe, mas a segurança é dos primeiros direitos assegurados pelo Estado moderno”. Só que não está. A população fez sua parte, e o Estado?

Jair Bolsonaro fez do rearmamento uma de suas bandeiras de campanha. Era de se esperar movimentos neste sentido após sua posse. A flexibilização da posse pode não ser o último, o novo Congresso Nacional teve um incremento significativo de parlamentares que advogam, desde o ano passado, pela liberação do porte.

Os mesmos teóricos da década passada podem até arguir que a taxa de mortes violentas subiu em percentual menor que antes, que teriam (no condicional, é claro) sido poupadas mais de 120 mil vidas desde 2003. Os belos discursos dificilmente servem de consolo para as famílias dos mais 63 mil mortos em 2017 (os números de 2018 ainda não estão consolidados). O dobro de 2003, uma taxa de mais de 30 mortos por 100 mil habitantes. Trinta vezes mais que na Europa. E nem serve para as milhões de vítimas de assaltos, roubos ou estupros realizados com cano de arma de fogo na cabeça.

O tema da segurança pública ultrapassa a si próprio. Ele também tem a ver com educação, emprego, desigualdade, transporte e até urbanismo. Sem esquecer a saúde, que há de tratar com os feridos traumáticos todo dia. E é certo que uma solução duradoura passa por um conjunto de ações. Mas é preciso que eles saiam do programa eleitoral ou das teses de mestrado para realmente julgar de suas eficácias. Enquanto isso, os comerciantes se cercam de grades, os passageiros de ônibus rezam quando estão indo para casa, os motoristas não param no sinal vermelho à noite.

Há perigos na liberação da posse de armas. Muitos são conhecidos, e alguns são válidos. Outros são meras previsões alarmistas. Mas os conselheiros de hoje não podem negar que, nesta batalha, o Estado perdeu. Tomara que seja só uma batalha. Porque a bandidagem já começou a guerra.

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