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Duzentos reais

Bianca, após fome na infância, teme a pobreza

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez* - Foto Produção Irene Araújo

Bianca, a despeito da pobreza beirando a miséria na infância, conseguiu sobreviver e, pode-se até afirmar, venceu na vida. Não que tenha ficado milionária como praticamente nunca acontece para quem vem de baixo. E não me venham com falácias, pois a estatística está bem aí para dar aquela bicuda nessas historinhas para boi dormir.

Acordava cedo, mas não por causa do trabalho, já que começava na repartição às 13h. Gostava de manter o corpo em forma e, por isso, era a primeira a entrar na academia logo ali no final da quadra. E, após mais de uma hora de malhação, corria de volta para o lar, doce lar. Mas não pense que a mulher pegava o elevador. Não mesmo! Enfrentava aquela imensidão de degraus até o sexto andar.

Lá por volta do meio-dia, banho tomado, a mulher almoçava e, em seguida, dava os últimos retoques na maquiagem. Nada de muito chamativo. É verdade que guardava um trunfo na bolsa, mas que era sacado apenas em momentos especiais: um batom cor rosa fúcsia.

A mulher, assim que pisava na calçada, atraía olhares de todos os lados. Fingia não perceber e, firme, caminhava por quase um quilômetro até vencer as portas do prédio onde trabalhava. Cumprimentava os que precisava cumprimentar e, um ou dois minutos após, entrava na sua sala. Pendurava a bolsa no encosto da cadeira, colocava um pouco de café na xícara, sentava-se.

Olhos fechados, levava a xícara até os lábios. Que delícia de café! Isso a levou a relembrar tempos difíceis vividos ainda menina, quando precisou crescer rápido para que a fome não a consumisse. Quem a visse agora jamais imaginaria que Bianca, um dia, passou tanto aperto.

Mas se a mulher havia saído da pobreza, parece que a pobreza não saiu dela. Tanto é que, enquanto ainda sorvia o tal café, um primo distante telefonou pedindo dinheiro. Não muito, para dizer a verdade, mas que fez Bianca reviver seu passado sombrio.

— Duzentos reais?

— É que preciso arrumar a geladeira, Bianca.

— Ah, assim não dá! Desse jeito fico na mão de calango.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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