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Criatividade nacional

Bizarrice nominal começa no recesso dos lares

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Wenceslau Araújo - Foto Paulo Pinto

Há dias na vida em que a gente acorda sem a corda no pescoço e com vontade de fazer somente o que o peixe faz. Difícil para quem desde cedo se acostumou a labutar. Como não consigo e me recuso a sentar, o melhor caminho é a pista, onde, a passos largos, penso com carinho no que jamais pensei. Presidente dos meus desejos, ministro dos meus desinteressantes interesses e político de minha política de vida, celebro mais um dia e parto para novas descobertas. Aprendiz de matemático, cansei rápido de contar os 37 títulos cariocas do Flamengo de 45 milhões de nacionais. Respeitosamente, perdi a conta. Agora, estou tentando catalogar os brasileiros e os continentais. Em breve finalizarei o somatório. Está aí meu medo maior: o fim temporário do futebol.

Sem a pelota correndo pelos gramados, conto, canto e me encanto com esse Brasil de nativos que, de tão inventivos, precisam ser avaliados pela Nasa. Entre os numerosos achados encontrados nesse Brasilzão de meu Deus, um me chamou a atenção pela comprovação da conservadora bizarrice. Na vampiresca fila de um desses laboratórios de diagnóstico sanguíneo, descobri como verdade o que sempre achei uma brincadeira de mau gosto. Refiro-me ao companheiro de infortúnio plasmático. A longevidade da conversa nos levou à costumeira e educada apresentação. Fulano de tal, disse eu em tom razoavelmente audível. Com sonoridade próxima de zero, o parceiro da bicha (fila em Portugal) somente tornou clara sua identificação após a oitava tentativa.

Minha silenciosa gargalhada foi a contragosto percebida, mas admitida pelo novo amigo João Cara de José. Isso mesmo. Sem qualquer constrangimento ou medo de chacota, o próprio gajo cearense desfiou em minha veia hemolinfa o pior dos rosários designativos de família. A mãe, dona Privada de Jesus, irmã de Dolores Fuertes de Barriga, casou-se cedo com Antônio Morrendo das Dores e aí começou o inferno astral e batismal dos rebentos. Já falecida, Cibalena Vencida era a irmã mais velha de João, o caçula. Entre eles, Magnésia Bisurada do Patrocínio, mãe de Felicidade do Lar Brasileiro, ficou viúva muito cedo de Pacífico Armando Guerra.

Tudo isso parece piada, mas é a verdadeira e pura tragédia humana. Não digo que é falta de decoro familiar, porque, pelo visto, a indecência nominal foi celebrada na intimidade do lar. O mesmo ritual deve ter ocorrido no momento da escolha dos cônjuges. O que tenho certeza é que, para chegar a alguma conclusão lógica, os técnicos da Nasa teriam de passar anos pesquisando em cartórios a criatividade do brasileiro. Perderiam tempo, mas achariam pérolas como as que encontrei em um único cartório do Entorno de Brasília, também conhecido como um amontoado de cidades abandonadas pelos governos de Goiás e de Minas Gerais.

Bizarro Assado, Chevrolet da Silva Ford, Bráulio Saracura do Brejo, Doriana Manteiga da Silva e Maria Você me Mata foram alguns dos mais simpáticos na extensa lista de nomes estapafúrdios. Também achei uma moça que atende pelo rocambolesco nome de Graciosa Rodela. Indo Embora da Silva, Jundia de Mim Rosada, Oceano Atlântico Linhares, Norton Norte e Nordeste e Pedrinho Bonitinho da Silva nem o Satanás de rabo queria como apelido. Separei o que mais gostei e, se um dia reencarnar no Brasil, quero reencontrá-la ou, quem sabe, mostrar ao mundo o que penso em termos de patriotismo: Liberdade Lealdade Fraternidade. Eita nome porreta. Duvido que dona Liberdade tenha apoiado o golpismo do senhor Botelho Pinto. Apesar da bizarrice nacional, a Nasa talvez tenha mais trabalho com os europeus e alguns vizinhos da América Central.

Dados a anônimos, os nomes brasileiros são engraçados e, portanto, exemplos de curiosidade. Embora não faça questão de conhecer o significado, o chamamento de famosos hermanos da Europa são pra lá de chulos. Jogadores do Manchester City, o belga Doku e o inglês Foden que o digam. E o que dizer do alemão Franco Foda, do francês Boga e do espanhol Javi Varas. Aposentado, o zagueiro italiano Salvatore Bochhetti está bem longe do atacante mexicano Milton Caraglio. Ainda na ativa, o goleiro costarriquenho José Porras é o mártir do finlandês Sako, craque do meio de campo do clube sueco Kalmar FF. Muito afins, o polonês Lukasz Merda e o russo Fedor Cherenkov precisam diariamente do perfumado apoio do italiano Robert Acquafresca. A pedido do português João Pica, deixei no castigo o camaronês Louis Paul M’Fedé e Shota Arveladze, ex-atacante da Seleção da Geórgia. Eles que se virem e se escondam do francês Mamadou Sakho. Quanto ao João Cara de José, um dia, quem sabe, ele não muda para José Cara de João.

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