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‘Boa noite, presidente. [Mas…] Não temos espaço para erros. Boa noite, presidente’

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José Escarlate

14 de março de 1985 – De volta ao Planalto, o presidente João Figueiredo recebia amigos quando entra esbaforido o coronel Periassú Mattos, Chefe da Segurança. Pálido, ele que é bem moreno, falou algo com Figueiredo e saiu cinco minutos depois. Virou-se para o seu adjunto e soltou a bomba: “Cara, o Tancredo tá no sal. Doente, câncer no intestino. Quando chegar ao Torto coloque o Plano de Segurança em ação. Vai haver corrida de pessoas e imprensa lá no hospital”. Por volta das 18 horas, a TV informava que o Tancredo estava sendo levado em emergência para o Hospital de Base.

15 de março de 1985 – Hospital de Base – À 1h10m da madrugada, faltando nove horas para a posse no Congresso, o cirurgião, Francisco Pinheiro da Rocha começa a abrir o abdômen de Tancredo Neves. Ele aceitou ser operado pela iminência de morte. Apresentava quadro cianótico, com tremores, febre e taquicardia que alcançava 170 batidas por minuto. Pinheiro da Rocha encontra um tumor benigno, “um leiomioma necrosado em abcesso a cerca de 50 cm da válvula ilíaca”.

É um tumor benigno que pode alterar o formato do órgão à medida que se desenvolve. Fica estável durante anos a fio para, em seguida, crescer em poucos meses. Representa pus ou matéria decorrente de uma infecção na cavidade peritoneal. O tumor é removido. É uma operação difícil. O anestesista tenta inúmeras vezes introduzir uma sonda gástrica. A pressão e os batimentos cardíacos de Tancredo oscilam. Tem uma paralisia respiratória: “dispneia intensa e progressiva, grande agitação para respirar”. Um edema pulmonar agudo começa a entrar em choque. O quadro é crítico.

Durante toda a madrugada políticos discutem nos corredores do hospital uma solução para o quadro. Ulysses Guimarães, incrédulo, resmunga: “Nossa luta não pode morrer na praia”. Voltando-se para Sarney diz: “. Você assume, como manda a Constituição”. “Não, Ulysses, assume você. Só assumo com Tancredo.” Falando duro, firme, Ulysses enquadra Sarney: “Não acrescente problemas aos que já temos. É a democracia que temos de salvar”.

No corredor, a aglomeração aumenta. Em meio à tragédia de Tancredo, o Poder está em pauta. Ulysses articula a parte política. Militares ensaiam mobilizar-se. Leitão de Abreu é o sinal de equilíbrio e bom senso. O STF se reúne, segue a orientação de Leitão e resolve – contra os votos dos ministros Sydney Sanches e Luiz Octavio Galloti – que o vice eleito deve assumir.

Quando o general Leônidas Pires Gonçalves entra na sala, Ulysses diz: “Chegou o meu jurisconsulto, o General Leônidas”. “Qual a dúvida ?” – indaga o militar. “Os artigos. 76 e 77 da Constituição de 1969 são bem claros: quem assume é o José Sarney.” E foi batido o martelo. Três horas da manhã o telefone toca na casa de Sarney. Uma voz firme diz: “Boa noite, presidente”. Era o general Leônidas. “Não quero assumir – diz Sarney”. “Não temos mais espaços para erros” enfatiza o general. E reitera: “Boa noite, presidente.”

PV

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