Discursos vazios
Bolsonaro entra no inferno astral sem achar saída
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Um dos mais óbvios representantes da jocosa definição Casa de Mãe Joana, o Brasil é aquele povoado onde todo mundo manda e ninguém tem razão. Por conta disso, não é nenhum exagero qualquer leigo afirmar que estamos anos luz daquele lugar onde as meninas de vida fácil dão duro para viver com dignidade (?). No país em que o Congresso Nacional é fake, a Presidência da República tem donos e as igrejas evangélicas querem ser o quarto poder, seria uma overdose de pessimismo dizer que por aqui quase tudo é de mentirinha?
Depende do ponto de vista, pois, de vez em quando, alguma coisa funciona. Por exemplo, apesar do excesso de convescotes internos e externos, togas sob medida, trajes de grife e modismos até na pronúncia de seus membros, isto é, no jeito de votar, o Judiciário ainda navega por águas menos turvas e com marolinhas bem menos nocivas do que as dos demais poderes. Ao contrário do Congresso e da Presidência, locais em que a maioria dos eleitos é excomungada no dia seguinte à posse, os tribunais superiores, particularmente o Supremo Tribunal, normalmente são atacados por 50% dos demandantes, ou seja, os perdedores.
É o caso do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, hoje certamente o maior inimigo de nove entre 11 ministros do STF e de cinco de sete membros do Tribunal Superior Eleitoral. Nas duas casas, os dois e dois são parte da bancada do compadrio ou do amigo oculto. Mesmo com as críticas dos derrotados, STF e TSE estão na lista das instituições que, mesmo ameaçadas, funcionam no Brasil. Tanto que, pouco mais de dois anos após o TSE condenar, por 5 x 2, o ex-presidente Jair Bolsonaro à inelegibilidade por oito anos, o cidadão Jair Bolsonaro continua vagando pelo Brasil à procura de um salvo conduto que não virá.
Da mesma forma que as romarias inventadas pelo pastor Silas Malafaia pela Avenida Paulista e pela orla de Copacabana não lhe renderam fôlego algum, as repetidas preces juntos aos aliados do Congresso Nacional também não conseguiram fortalecer seus discursos vazios contra a coragem e a capacidade jurídica do ministro Alexandre de Moraes. Portanto, certo ou errado, o resultado da sessão do TSE do dia 30 de junho de 2023 permanece inalterado: Bolsonaro está banido das urnas e assim estará pelo menos até 2030. E não foi uma punição qualquer.
Ele perdeu os direitos políticos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação para tentar interferir na escolha dos eleitores. Para quem não se lembra, Jair Messias começou a perder o rebolado no dia 18 de julho de 2022, ocasião em que, durante reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, levantou dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral. Mesmo sem pauta pré-definida, ideias para debater e provas para apresentar, o ex-presidente, ao vivo e em cores, deitou falação contra a urna eletrônica.
Batizado de monólogo eleitoral, o referido e frustrado encontro foi usado exclusivamente com o objetivo de pôr em risco a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral brasileiro e, por consequência, a própria democracia. O que se seguiu à decisão do TSE provou que, embora continue se achando o dono do mundo, Jair Bolsonaro está a dois passos do inferno astral, também conhecido xilindró. Do forjado perfil de homem sincero, direto, libertador e transparente sobrou um “de cujus”, cuja personalidade autoritária, despreparada, insensível, misógina, homofóbica e descolada da realidade garantiu ao ex-inquilino do Palácio do Planalto uma viagem sem volta ao centro do poder.
Sem talento para governar sem tanques e sem fuzil, Bolsonaro está de malas prontas para a nova vida que se avizinha. Apesar de precisar de muito pouco para se manter no futuro novo “lar”, ele terá todo o tempo do mundo para pensar e, quem sabe, se tocar de que só tenta ganhar no grito aquele que sabe que já perdeu na razão. Tomara que um dia eu possa também dizer que o Congresso funciona. Por enquanto, representado por uma maioria bolsonarista, o Parlamento acha que recolher impostos é para quem ganha salário-mínimo. Os ricos não podem ser incomodados. Sobre a Presidência, os mitos duram pouco e são rapidamente esquecidos. Longevos são os ícones, os quais, quando saem, viram estrelas.