Confusão ideológica
Brancaleone aloprado falhou no golpe e levou seu exército para a cadeia
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Parafraseando a citação da ministra Carmem Lúcia durante o julgamento que acabou condenando o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão, o que era para o mal se transformou em vitamina para o bem. Lembrando trechos do romance História de um Crime, do escritor francês Victor Hugo, o fracassado golpe de Estado planejado pela tropa bolsonarista terminou em melado exatamente porque seus idealizadores e autores eram tão pequenos e frágeis como eles imaginavam a liberdade e as instituições.
Se fossem grandes e menos amadores, certamente os golpistas liderados por Bolsonaro teriam feito como Luís Napoleão em 1851. Sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luís comandou um golpe de Estado, se autoproclamou imperador, fechou a Assembleia (o nosso Congresso), controlou a imprensa, prendeu e matou militares e políticos hostis e calou a oposição. Se alguém duvida disso, pesquise o passado raivoso do ex-presidente, inclusive antigos eventos nacionais que buscavam impedir a abertura iniciada no governo do general Ernesto Geisel e concluída pelo também general João Batista Figueiredo.
Felizmente, nossos golpistas nada tinham de poderosos, inteligentes e malandros. Pelo contrário. Aloprados e atuando igual a uma trupe de comédia interiorana, o grupo lembra o casting do capitão Brancaleone de Nórcia, definido como um punhado de bandidos medrosos, trapalhões e mortos de fome que andavam pela Itália do século 11 em direção a terras que julgava ter direito. Como eles, os nossos atrapalhados golpistas tentaram anular uma eleição presidencial, tomar o poder e matar um presidente eleito, um vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal.
O modus operandi dos nossos brancaleones, inclusive os que atuaram nos bastidores, revela uma óbvia confusão político-ideológica de alhos com bugalhos. Claramente a carroça estava à frente dos bois. Em qualquer lugar do planeta, um exército forte, vigoroso e desafiador não pode ter como líder um protagonista bravateiro, sem coragem e de patente inferior a seus liderados. O resultado não poderia ter sido diferente. Juntos, misturados e despatenteados, em breve todos verão o sol nascer e se por quadrado.
Dos bastidores, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o golpista sem divisas, é a prova da falta de entendimento sobre hierarquia e comando. Recentemente, após o fracasso da insurreição e antes da condenação, Valdemar havia traçado um paralelo entre o argentino Ernesto Guevara de la Serna com Jair Bolsonaro. Tanto quanto o golpe, a correlação é pior do que qualquer piada sobre loucos, cegos e surdos. É uma daquelas comédias produzidas nas hostes do Partido das Lágrimas, legenda em cuja porta de entrada está escrito: Não entre! Perigo! Diria mais: Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão
Figura central na ideologia de esquerda, Che não é o Tchê. Ele foi um guerreiro valente, movido por consciência social e que lutou até o fim em defesa de suas convicções. E Jair Bolsonaro? Sem convicção alguma, ele não conseguiu dividir povo e ideologia e ainda induziu seus seguidores a colocarem judeus e cristãos no mesmo caldeirão. Na confusão ideológica, Valdemar sequer atentou para o detalhe de que Che representou – e representa – o maior símbolo dos inimigos da extrema-direita. O que esse povo não faz para salvar um dos seus. No voto, Carmem Lúcia só faltou defender o ministro Alexandre de Moraes parodiando a célebre frase de Che Guevara: “Hay que bater en Xandão sin perder jamás la ternura”.
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Sonja Tavares é Editora de Política de Notibras