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Questão de disciplina

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Forçoso reconhecer que o presidente errou.

Ele tardou em demitir o ministro da Saúde. Eu o teria mandado para casa no dia seguinte à sua entrevista na TV Globo. Não, o presidente deveria tê-lo demitido no momento em que ele perguntou, em plena reunião ministerial, por que raios não era demitido. Uma quebra inaudita do princípio de hierarquia, tão essencial à boa gestão dos grupos sociais – seja do nosso exército, seja das comunidades de civis. Diga-se que não considero o ministro um traidor, como tantos o fazem; na minha concepção, ele não passa de um rebelde e um indisciplinado.

Disciplina – é isso que vem faltando ao nosso querido país. O presidente se equivoca ao não a impor a ferro e fogo. O fim do isolamento, por exemplo, deveria ser pura e simplesmente decretado, e não buscado pela multiplicação das carreatas. Um decreto abriria o comércio e outros locais cerrados, e as Forças Armadas seriam mobilizados para garantir a obediência dos civis. Sem dúvida, haveria a possibilidade de confrontos com as PMs estaduais, mas se trata de algo remoto, pois muitos da tropa, senão a maioria, mostram-se leais ao presidente. E os governadores que tentassem se opor seriam merecidamente depostos e conduzidos à prisão.

Outro aspecto da quebra de disciplina que desperta minha indignação é a irreverência com que são tratados o presidente, seus familiares e seus partidários. Eu mesmo, quando desço para dar duas voltas a pé em torno do quarteirão – em apoio ao chefe do Executivo, hostil ao isolamento –, sou vaiado e chamado de “coronel cloroquina” pelos desocupados que se aglomeram próximo ao prédio. E pior, sou obrigado a sorrir para eles e a incentivá-los a permanecer na rua: isso faz parte do combate ao isolamento social, que é uma faceta da guerra ao marxismo cultural.

Os panelaços por sua vez, ultrapassam todos os limites. São acompanhados por impropérios, gritos de “Fora Bozo, genocida filho da mãe” e coisas piores. Se dependesse de mim, colocava atiradores de escol nas sacadas de apartamentos dos nossos partidários e varria a disparos de fuzil as janelas dos maus cidadãos.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu, uma hora atrás. O panelaço começou e, entre as vozes que dirigiam ofensas ao presidente, sobressaía a de uma mulher jovem, que mora no prédio da frente, um andar abaixo do meu. Ela xingava o presidente de imbecil e incompetente, a ponto de meu sangue ferver. Mas quando gritou “milico burro filho de uma égua”, não aguentei. Peguei minha velha pistola 9 mm – aposentada, que nem eu – e disparei contra o apartamento dela. Minha intenção era atingir uma janela, dando-lhe um susto e silenciando-a, mas, reconheço-o a contragosto, errei o alvo e atingi a mãe dela. Deve ter morrido em poucos minutos.

Agora, sozinho em meu apartamento, escrevo este texto enquanto espero a chegada dos agentes da lei. Vesti meu uniforme de coronel, isso vai ajudar a que me concedam o devido respeito.

A campainha soou. Talvez seja o entregador da pizza que havia encomendado, mas não acredito.

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