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O rapaz do Clube da Esquina

Brasil chora Lô Borges, a melodia que Minas não desejava silenciar

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Autor/Imagem:
Marta Nobre - Foto Pintura a Óleo - Acervo Pessoal

O Brasil se despede de uma de suas vozes mais sutis e inventivas. Morreu na noite de domingo, 2, em Belo Horizonte, o cantor e compositor Lô Borges, aos 73 anos. A notícia, só confirmada pelos familiares na manhã desta segunda, 3, abalou o meio musical e cultural do país. Um dos fundadores do lendário Clube da Esquina, ao lado de Milton Nascimento, Lô encerra um ciclo luminoso da música brasileira — aquele em que as melodias pareciam nascer do encontro entre o som das montanhas e o rumor das cidades.

Salomão Borges Filho, o Lô, nasceu em 10 de janeiro de 1952, em Belo Horizonte. Era ainda adolescente quando começou a dedilhar os primeiros acordes de uma geração que transformaria a música nacional. A casa da família, no bairro Santa Tereza, foi o epicentro de uma revolução silenciosa. Lá, entre cafés, violões e sonhos, formou-se a confraria que viria a ser chamada de Clube da Esquina — uma irmandade musical que misturou rock, jazz, MPB e espiritualidade mineira.

Com apenas 19 anos, Lô já era coautor de algumas das mais belas canções da música brasileira. Em 1972, lançou, junto com Milton Nascimento, o álbum “Clube da Esquina”, um marco estético e poético que uniu liberdade, lirismo e experimentação. Na capa, dois meninos anônimos de olhar distante; nas faixas, o retrato sonoro de uma geração que acreditava no poder da arte para transformar o mundo.

Girassol, trem e tempo
De Lô Borges nasceram hinos de eternidade. “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “O Trem Azul”, “Paisagem da Janela”, “Tudo que Você Podia Ser” — composições que atravessam o tempo e continuam a iluminar quem as ouve. Havia em suas melodias uma espécie de doçura aérea, um perfume de manhã clara, uma nostalgia de futuro. Sua voz, contida e pura, parecia sempre vinda de um lugar onde o som ainda é gesto de amizade.

Lô não fazia sucesso no sentido comercial da palavra. Fazia música. E essa distinção o acompanhou até o fim. Nos últimos anos, mantinha-se ativo e criativo: lançou o álbum “Tobogã”, em 2024, reafirmando que a juventude da alma independe da idade.

Legado entre montanhas
Mais que um compositor, Lô Borges foi um símbolo de pertencimento. Representava Minas em sua delicadeza, em sua reserva e em sua profundidade. Era o mineiro que falava pouco, mas dizia tudo com o violão. O Clube da Esquina, que ajudou a fundar, foi mais do que um movimento musical — foi um modo de existir, uma filosofia da simplicidade e da comunhão.

A morte de Lô Borges não leva apenas um artista; leva um modo de sentir. Sua obra é a prova de que a grandeza pode morar na brevidade de um acorde, no silêncio entre duas notas. Em um mundo de ruído e pressa, sua música ensinou que é possível caminhar devagar e ainda assim chegar muito longe.

A esquina continua
Em Belo Horizonte, amigos, músicos e fãs começaram a se reunir espontaneamente no bairro Santa Tereza, onde tudo começou. Cantam suas canções como quem acende velas, transformando o luto em homenagem. A esquina que inspirou o movimento volta a ser altar — não de despedida, mas de continuidade.

Porque, se há algo que Lô Borges nos deixou, é a certeza de que as melodias não morrem. Elas mudam de forma, atravessam o vento, descansam no coração de quem ouve e ressurgem — sempre — quando um novo girassol se abre sob o mesmo sol.

No tempo em que a vida parece apressada, Lô Borges nos recorda que há músicas que duram o tempo de uma eternidade. Minas se cala, o Brasil escuta — e, no silêncio que resta, ainda se ouve o eco suave do trem azul cruzando as montanhas.

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Marta Nobre, mineira, fã eterna de Lô, é Editora Executiva de Notibras

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