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Exemplo a ser seguido

Brasil real é muito, mas muito diferente do país da fábula

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Fábio Rodrigues Pozzbom

As palavras normalmente são entendidas conforme a necessidade de quem as escuta. Partindo desse pressuposto, é natural que acabemos escravos de nossos pensamentos. Para isso, basta que sejamos consequência do que pensamos. Perdão pela filosofia de boteco nesses tempos de ruminação mental, nauseabunda e asquerosa do que alguns imaginam correto, mas o preâmbulo serve para reiterar uma antiga afirmação: a estultícia humana realmente não tem limites. Tirando a fome, a escassez de alimentos, a inflação galopante, a imparável quantidade de mortos por conta da Covid-19, o segredo das transações entre Planalto e Congresso e a abjeta campanha de setores das Forças Armadas contra o sistema eleitoral, tá tudo bem no Brasil. Ou seja, o Brasil real é muito diferente do país da fábula.

Se depender dos bolsonaristas de embornal, assim caminharemos até o dia 2 de outubro, data em que, pelo voto secreto, seguro e inviolável, escolheremos o novo presidente da República. Disse novo por força de expressão, pois, na provável ausência de alguém diferenciado, pode até ser um novo que é velho conhecido. Voltando ao embromation, desprezo e silêncio são as melhores respostas para a tolice alheia. No dia em que se lançou formalmente como candidato à reeleição, Jair Messias aproveitou a meia dúzia de apoiadores – claro que eram quase duas centenas – para convocá-los a irem às ruas “uma última vez” no 7 de Setembro. Na mesma ocasião, voltou a dirigir ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Obviamente que, se valendo das tonturas determinadas pelo mito, muitos captaram a mensagem como a necessidade de um grande ato de campanha, daqueles que, a exemplo do mesmo feriado de 2021, se transformou em uma inesquecível e fracassada mobilização contra a democracia. Além dos 365 dias, o que separa o Bolsonaro de 2021 para o de agora é o número do azar. No ano passado, o presidente ainda atendia pelo 17. Hoje, responde no 22. Também há o silêncio dos que, como eu, decidiram não brigar com aqueles que tentam nos calar faz quatro anos. Com muita consciência e alguns palavrões guardados no fundo da alma, fiz minha uma frase do laureado escritor moçambicano Mia Couto: “O silêncio não é a ausência da fala, é o dizer-se tudo sem nenhuma palavra”.

Felizmente, o silêncio não permite erros em sequência. Aliás, normalmente ele reflete um milhão de pensamentos. É do que trata a narrativa de hoje. A referência maior é sobre a mudez dos que receberam a convocação como algo que ocorrerá pela última vez. Foi o próprio “mito, mito, mito” quem afirmou: “Vamos às ruas pela última vez. Esses poucos surdos de capa preta têm de entender o que é a voz do povo…”. Considerando o mico das declarações consideradas golpistas no primeiro ato, as reações do comando do Poder Judiciário àquela época e a rejeição experimentada por sua excelência nas pesquisas de intenção de votos, os indicativos atuais parecem de menor beligerância.

E não é para menos. Ninguém esquece que, após a exibição do 7 de Setembro passado, o presidente teve de se “ajoelhar” ao STF. Será que, às vésperas da eleição, ele repetirá o malfeito? Vale lembrar que as “quatro linhas” acabaram enquadrando literalmente parte do “exército” bolsonarista. Faz parte do jogo político tentar sair do incômodo fio da navalha. Talvez o caminho não seja esse. O exemplo a ser seguido é o do adversário. Enclausurado, achincalhado e supostamente liberado de culpas (?), optou pelo silêncio dos inocentes espertos. Ele sabe que a vida é como um livro.

Cada dia uma página nova, cada hora uma vírgula, cada minuto um novo entendimento. Sabe também que o lápis não pode escrever o futuro, da mesma forma que a borracha não pode apagar o passado. Acho que tanto um quanto o outro ainda não sabem que, de repente, chega um momento em que Deus nos tira o lápis, esconde a borracha e escreve FIM. De nossa parte, logicamente que assusta buscar novos caminhos. Entretanto, depois de um tempo percebemos que mais perigoso é permanecer parado.

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