A reprise
Brasil, um País preso entre a lei e a torcida
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A democracia brasileira já viu esse filme antes. Um ex-presidente levado à prisão sob aplausos de uma parcela da sociedade, indignação de outra e certeza absoluta de poucos. Lula foi encarcerado após um processo que parecia sólido, incontestável, blindado pela convicção popular de que a Justiça estava vencendo. Meses depois, as mesmas instituições que o prenderam desmontaram tudo. Os procedimentos foram anulados, as decisões invalidadas e o país precisou admitir, constrangido, que o rito legal não havia sido tão fiel quanto parecia. Esse episódio, por si só, deveria ser o maior alerta para o que está acontecendo agora com Bolsonaro. Não é prudente repetir convicções absolutas em um país onde o próprio sistema jurídico já demonstrou ser capaz de virar do avesso.
É por isso que a prisão de um ex-presidente exige mais parcimônia do que paixão. Não se trata apenas de apoiar ou rejeitar Lula ou Bolsonaro. Trata-se de compreender que, quando processos dessa magnitude se transformam em arenas de satisfação coletiva, perde-se a noção do que realmente importa: o respeito rigoroso ao devido processo legal. Ninguém discute que a lei precisa valer para todos. A questão é como o país reage a esses episódios, que deveriam ser momentos de sobriedade e não maratonas de comemoração.
O que mais se evidencia nesses momentos não é a maturidade institucional. É a polarização em sua forma mais visceral, infantil, inflamável. A Justiça tenta se impor, mas a política sequestra o ambiente. As ruas, as redes sociais, os debates e as conversas de bar se transformam em arquibancadas. De um lado, euforia. Do outro, revolta. E entre esses dois extremos, um país inteiro que parece incapaz de compreender que decisões jurídicas não deveriam ser insumo para guerras emocionais.
No exterior, a leitura que se projeta é ainda mais danosa. A imagem que passa não é a de um país que aplica sua legislação com segurança e racionalidade. É a de uma nação que celebra ou lamenta prisões com a lógica de república das bananas. O termo nasceu para descrever países com instituições frágeis, conflitos internos constantes e processos políticos usados como instrumentos de disputa tribal. A semelhança é incômoda, mas real, sempre que o sistema político brasileiro transforma a Justiça em palco para acalmar ódios acumulados.
A verdade é que não houve o que comemorar quando Lula foi preso. Não há o que comemorar agora com Bolsonaro. Em nenhum dos casos o país ganhou. Em ambos, a democracia saiu arranhada, transformada em espetáculo, pressionada por torcidas que não buscam justiça, mas satisfação.
Existe ainda outro grupo, silencioso, exausto, que não idolatra nem Lula, nem Bolsonaro. Para esse Brasil, a sensação não é de vitória, nem de derrota. É a percepção amarga de que seguimos presos ao mesmo ciclo, incapazes de aprender com a repetição dos erros. São os que desejam instituições fortes, mas também desejam uma sociedade capaz de digerir decisões judiciais sem transformar o espaço público em uma arena gladiatória.
O cumprimento do processo legal deve ser observado e respeitado. Mas para que a democracia seja adulta, é preciso mais do que isso. É preciso que a Justiça não seja instrumentalizada para alimentar paixões. É preciso que o país trate cada decisão com serenidade, consciência e prudência, sem a ilusão fácil de que a queda de um líder resolve seus problemas.
A verdadeira força institucional não está na prisão de um ex-presidente, mas na capacidade de um país atravessar seus conflitos sem se perder em vinganças disfarçadas de vitória moral. Enquanto o Brasil continuar tratando essas situações como troféus de torcida, continuará repetindo a própria história, sempre com o mesmo sinal de alerta piscando.