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Regionalismos

Brasil vive guerra linguística onde pet vira lanche e pardal multa

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@donairene13 - Foto Produção Editoria de Artes/IA

Eu, com muito orgulho, nasci no Piauí — terra quente, de povo quente e coração mais quente ainda. Mas como uma boa filha do Brasil, tenho raízes no Maranhão, galhos em Brasília e umas folhas meio bagunçadas que caíram no Rio Grande do Sul. Vivi por mais de 20 anos no Planalto Central, onde o céu é tão bonito que, às vezes, a gente até esquece que tá atolada no trânsito da EPTG. Minha última façanha foi passar três anos no sul do país, onde descobri que churrasco é quase uma religião, e que o frio é levado a sério, tipo contrato com firma reconhecida.

Mas o que mais me intriga nesse meu Brasilzão, mais do que o preço do leite condensado ou o sumiço das tampas de pote, são as diferenças linguísticas que a gente vai colecionando ao longo das viagens. Já fui a muitos cantos e aprendi que, no Brasil, falar a mesma língua é uma ilusão otimista. A gente se entende? Mais ou menos. Às vezes, é preciso um dicionário, uma mímica ou, em casos extremos, uma chamada de vídeo com um nativo local.

No Rio de Janeiro, por exemplo, eles chamam um salgado de “joelho”. JO-E-LHO. Juro que fiquei na fila da padaria esperando um salgado em forma de rótula. Mas não. É uma massa recheada com presunto e queijo. Cadê a conexão anatômica? Nenhuma. Fui tapeada. Por falar em rótula, é assim que os gaúchos chamam o que em Brasília chamamos de balão, embora o GPS insista em chamar de rotatória.

Aí vem alguém de São Paulo me oferecendo um “enroladinho de salsicha”. Minha mente, treinada em imagens surreais, logo projeta um cão da raça dachshund em posição fetal dentro de uma baguete. Aceitei com medo, mas era só um mini hot dog assado. Decepção e alívio ao mesmo tempo.

No Rio de Janeiro, descobri que “molho à campanha” é o que o resto do Brasil chama de vinagrete. Vinagrete! Aquele negócio do churrasco, sabe? Aí você pensa: por que “campanha”? Será que o vinagrete militava? Será que ele participou de alguma eleição? Não sei. Talvez só queriam ser diferentes mesmo.

E a bisteca? Os cariocas chamam de “carré”. Quando ouvi a palavra pela primeira vez, achei que fosse uma jogada de poker, uma posição de balé ou um termo de engenharia. Mas não. Era só a boa e velha bistequinha de porco, grelhada e suculenta. Carré. Parece nome de criança chique. “Esse é o Carré, tem três meses e já fala francês.”

E o que dizer do “pão cacetinho”? Esse é clássico. O gaúcho solta essa sem pensar duas vezes: “me vê três cacetinhos”. E eu, vinda de uma formação piauiense-maranhense-brasiliense, precisei respirar fundo pra não rir. Afinal, no resto do Brasil isso é quase um convite indecente. Mas lá, é só o pão francês mesmo. E se você disser “pão francês”, eles te olham como se você tivesse pedido croissant com glitter.

Brasília, coitada, tenta manter alguma neutralidade linguística, mas nem ela escapa. Aqui chamamos o radar de trânsito de pardal. Fica até mais simpático.

No fim das contas, viver no Brasil é isso: um eterno jogo de adivinhação com sotaques, sabores e nomes que mudam de esquina pra esquina. Mas eu adoro. Porque no fundo, cada expressão esquisita, cada salgado confuso, cada molho com pretensões políticas, é só mais uma prova de que o Brasil é imenso, plural e deliciosamente estranho.

E se, um dia, alguém me oferecer um “joelho de molho à campanha com cacetinho e carré”, vou aceitar sorrindo. Não sei exatamente o que vem, mas sei que vai ser bom. Ou, no mínimo, render história.

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