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Nova fórmula do amor

Brasil vive simplória e velha ideologia dos cargos de cada dia

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

Desde os primeiros dias, o governo Bolsonaro teve comandantes diversos. Inicialmente, Deus estava acima de tudo e de todos. Gustavo Bebiano, então presidente da legenda que cedeu vaga para o capitão se eleger, ameaçou alguns passos, mas foi abatido em pleno voo. Morreu logo depois. Em seguida, Sérgio Moro passou a dar as cartas como eminência parda. Durou apenas um verão. Sumiu e se perdeu na poeira das meritíssimas excelências. Paulo Guedes assumiu o posto de todo-poderoso da economia, consequentemente do futuro do país. Não convenceu e até agora é sinônimo de ministro do auxílio emergencial. Na sequência, a ideologia tacanha de Olavo de Carvalho, dos ex-ministros Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Salles, reverenciada por apoiadores desprovidas de tutano, também evaporou-se.

Eleitores e superiores militares de primeira hora, os hoje ex-colaboradores e generais Santos Cruz, Maynard Marques Santa Rosa, Franklimberg de Freitas, Juarez Cunha, João Carlos Jesus Corrêa, Marco Aurélio Vieira, Rêgo Barros, Fernando Azevedo e Silva e Edson Pujol se juntaram ao almirante Ilques Barbosa Junior e ao brigadeiro Antônio Carlos Bermudez na lista de militares que deixaram de ser úteis ao presidente por duas simplórias e fundamentais razões: são sérios e absolutamente democratas. Também general, Eduardo Pazuello caiu por bajular demais e, principalmente, por acreditar que a pasta da Saúde era apenas um brinquedinho sem importância ou um grande balcão de negócios de imunizantes por baixo dos panos.

Tudo isso sem contar o tremendo “tapa” que Luiz Henrique Mandeta e Nelson Teich, ex-titulares da Saúde, levaram no escurinho do cinema do Palácio da Alvorada. Os estilhaços do Faroeste Caboclo do bolsonarismo já atingiram cerca de 20 ministros, alguns demitidos antes da solenidade de posse, caso de Carlos Alberto Decotelli, ex da Educação. Embora tenha vida, mídia e discurso particulares e independentes, até o general Hamilton Mourão, vice-presidente eleito, virou desafeto do Palácio do Planalto. Se um dia esse povo foi subordinado e apoiador, certamente hoje é ex-amigo e, talvez, ex-eleitor. A relação é bem maior, mas tem de ser estancada, sob pena de ocupar pelos menos outros dois parágrafos da narrativa.

Nesses dois anos e sete meses de gestão, o presidente da República ainda não conseguiu ser protagonista do próprio governo, apesar de afirmar diariamente aos simpatizantes que é ele quem manda. Pode ser. Aliás, deixou de ser. Em pouco tempo teve de experimentar do conveniente veneno que destila desde o primeiro dia de mandato parlamentar, há cerca de 30 anos. Agora, em nome da governabilidade e da sobrevivência política, parece ter descoberto uma nova fórmula do amor. Precisou esquecer o aconselhamento musical do general Heleno (parodiador da música Se gritar pega ladrão), e se entregar de corpo e alma ao Centrão, bloco que negocia simultaneamente com Deus e o Diabo qualquer brechinha de poder.

Enfim, bastou a descoberta dos detalhes e dos bastidores palacianos para que o governo caísse definitivamente nos braços robustos, elásticos e nada carinhosos do oportunista Centrão. Considerando os fatos armazenados pela CPI da Covid, suspeitas quase confirmadas e os anseios populares observados nas últimas semanas, essa união pode se caracterizar em breve como um abraço de afogados. E aí, nada melhor do que lembrar uma frase atribuída à presidente Dilma Vana Rousseff: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. É uma questão de tempo. Mais precisamente, é uma questão de cargos. Hay posicións, somos gobierno.

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