Aprendizes de Narciso
Brasileiro só é proativo quando tema é se dar bem
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Vez por outra ouço dizer que o brasileiro é um povo tão interessante que merecia ser estudado pela Nasa. Concordo em parte com os criadores e divulgadores dessa tese. Em parte, porque acho inicialmente que esse perfil se perdeu no tempo. Entretanto, realmente os brazucas não são deste mundo e, portanto, precisam ser dissecados por “cientistas” interplanetários. Alguém de Marte, Netuno, Saturno ou Plutão talvez consiga descobrir uma razão pela qual nossos patrícios, “patriotas” ou não, só têm uma coisa na cabeça: eles mesmos. Obviamente que, além de definir a pandemia de Covid como divisor de água, não devo ser injusto e generalizar.
Todavia, sem margem de erro, posso afirmar que, hoje, imensa parcela da população é desprovida da condição ou do estado de solidariedade. São únicos. Proativos quando o tema sobre a mesa é se dar bem e, na mesma proporção, ocultos nas situações em que são chamados para socorrer o próximo. Indiferentes às agruras da esquerda ou da direita, a maioria do grupo instalado no centro da insensibilidade tem maior poder aquisitivo ou pertence à turma que vive para explorar a inocência, a vulnerabilidade e a desproteção da sociedade. A inércia do Poder Público e a safadeza dos políticos acirram essa gangorra social e acaba facilitando a ação dos que são providos somente de inteligência artificial.
É por isso que, em lugar de ler e escrever para se aculturar cada vez mais, nossos homens e mulheres de bem, estão aprendendo a se esconder de golpistas, a se agachar para fugir de balas perdidas e a se refugiar no recesso do lar para evitar ser assaltado ou morto. Ainda chegará o momento (ou já chegou) em que seremos dirigidos politicamente pelo crime organizado. Como disse recentemente o ex-presidente norte-americano Joe Biden, não podemos continuar aceitando isso como algo normal. Mas o que fazer diante da enraizada suspeição sobre nossos políticos, governantes, magistrados e até sobre nós mesmos? Orar, orar e orar! Orar principalmente para que os criadores e mantenedores das chamadas Bets não levem o povo à miséria absoluta.
Oremos muito, pois, além da guerra urbana protagonizada por milicianos, traficantes, batedores de carteira, punguistas de braguilha e maus policiais, atualmente estamos à mercê da bandidagem virtual, formada por gente capacitada academicamente, incapacitada de caráter e insensível às dores do mundo. Alvo principal dos bonitinhos e riquinhos das redes sociais, o pobre trabalhador ora é instado a perder o pouco que tem em jogos de azar na internet, ora serve de laranja para alguns desses malandros, também denominados “influencers”, cuja sabedoria é aplicada especificamente no ensinamento de fraudes virtuais, sonegação e lavagem de dinheiro.
Tenho a nítida impressão de que, nos dias atuais, a mente humana só registra o que pode ser vantajoso. Daí a profusão de craques na arte de enganar o povo, mas idiotas no compulsivo modo ostentação. Aprendizes de Narciso, estão mais para estagiários de fiteiros. Por isso, embora lucrem o suficiente para bancar viagens de luxos, roupas grifadas, carros importados, mansões e jatinhos particulares, normalmente acabam enjaulados e recolhidos aos mesmos dormitórios utilizados pelos barões do tráfico, imperadores das milícias e pelos mitos travestidos de políticos. Todos com o mesmo uniforme tamanho único confeccionado pelos costureiros da grife de Bangu 1 ou da Penitenciária de Tremembé. Presos uns, mortos outros, banidos alguns e nada muda.
Parece que o primeiro item do DNA do brasileiro do século XXI diz respeito à necessidade de conviver pacificamente nos círculos do bem e do mal, sob pena de sofrer com a fumaça dos incendiários de plantão. O fogo cruzado é notório em quase todos os segmentos da vida humana. Eis a diferença entre o homem e o animal. Por imposição dos poderosos e dos que supostamente comandam, somos obrigados diariamente a matar a cobra para não engolir sapo. Ou seja, temos de mostrar o pau que matou a cobra para não virar refém ou presa de outro brasileiro. É a ação canibalesca e gratuita do homem contra o homem. Ao contrário de nós, o animal só mata o semelhante quando está em jogo sua sobrevivência. Eis o mistério da mente humana.
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Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978