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Menos, moçada

Cadu Matos dá um alô às briosas escritoras Edna Domenica, Taís Palhares e Rosilene Souza

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Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

As escritoras Edna Domênica, Taís Palhares e Rosilene Souza, minhas confrades no Café Literário/Notibras, produziram um texto coletivo baseado ou, antes, inspirado em meu conto Testemunha silenciosa. O mote foram as palavras da protagonista Lia, “Quem sou? Onde estou? É tudo tão estranho…”, que encerram o texto.

Para começar, agradeço a todas elas. Deliciado, detive-me nas belas expressões com que as três artífices das palavras pontilharam o texto coletivo. Destaco algumas, entre tantas outras:

“Estou no lugar em que quero estar, raízes à mostra (…)” – Taís Palhares. “Sou a junção do ontem, do hoje e do amanhã” – Rosilene Souza. “(Sou) luz e sombra na busca perene de SER” – Edna Domenica.

Elas surgem no final, quando as autoras já haviam se descolado de meu texto e deixavam a imaginação fluir livre. Antes, porém, houve análises profundas, conduzidas em especial por Edna Domenica. Ela aponta a coincidência entre os 40 anos em que a protagonista permaneceu em silêncio “com o período histórico no qual a sociedade brasileira permaneceu em silêncio quanto à anistia concedida aos torturadores da ditadura de 1964. Cabe a nós, cidadãos democratas recém-despertados, indagarmos ‘quem somos e onde estamos’.”

Democrata e socialista, concordo politicamente com Edna. Mas, do ponto de vista literário, acho questionável esse tipo de análise.

Um bastidor talvez esclareça o ponto. Na versão original do texto, Lia ficava 50 anos em silêncio. Não era uma referência à década mais assassina da ditadura militar, ao terrível governo Médici; precisava apenas que o filho e a nora da testemunha silenciosa já tivessem morrido, e os netos fossem adultos maduros. Mas achei demais, reduzi para 40 anos, prazo que já atendia a minha precisão. Nem me passou pela cabeça o período 1985-2025.

Outro ponto, se um texto inspirar um intertexto coletivo, e houver uma réplica, o que virá depois? Uma tréplica? Ou, enriquecendo com selvageria a última flor do Lácio, uma quadréplica? Pode-se ir longe nisso. E talvez não valha a pena esse percurso, melhor investir em textos novinhos em folha, com outros temas.

Um derradeiro bastidor. “Quem sou? Onde estou? É tudo tão estranho…” era o bordão de uma grande amiga. Destinava-se às rebordosas que acordavam, ainda de porre, numa cama estranha, ao lado de um desconhecido. A personagem Rê Bordosa, de Angeli, surgiu nas páginas da revista Chiclete com Banana, lançada em 1985. Os brasileiros e as brasileiras voltavam a rir dos podres poderes, a pecar sem arrependimento. Mas, tenho certeza, nada disso era um protesto contra a anistia aos torturadores. E muito menos um protesto silencioso, Rê Bordosa era esporrenta pra dedéu.

Por tudo isso, peço às três mosqueteiras do Café Literário/Notibras, Edna, Taís e Rosilene: menos, moçada.

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