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Cadu Matos, econômico nas palavras, grande na escrita
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Sempre fui um leitor onívoro. Romances, contos, crônicas, poesias, reportagens e artigos de jornal, anúncios, bulas de remédio – o que vier eu traço. E Notibras, com destaque para o Café Literário, deu-me oportunidade de me aprofundar nesse hábito (vício?) prazeroso.
Ao ler os textos de meus confrades no Facebook e em Notibras, constatei um aspecto intrigante: em geral, são bem mais extensos que os meus. Não que os considere palavrosos (ok, uns poucos o são, na enviesada opinião deste escriba); é que os autores parecem precisar de mais palavras para apresentar e desenvolver todas as facetas do relato. Já os meus textos, por algum motivo, estão cada vez mais curtos. Bastidor: são escritos em corpo 14 e, na grande maioria das vezes, não ultrapassam duas páginas.
Comprovei essa tendência à concisão ao ler os primeiros textos escritos por mim, bem mais extensos (vá lá, alguns palavrosos) do que os produzidos atualmente. Tratei de editá-los, cortar-lhes gordurinhas, reduzi-los ao essencial – foi o que fiz ao longo de toda minha vida profissional, como copidesque e editor, iniciada na boa e velha Abril Cultural. O resultado, creio, ficou melhor, mais legível. O estranho é que meus autores favoritos, entre eles Guimarães Rosa e Erico Verissimo, escreveram obras-primas como “Grande sertão: veredas” e “O tempo e o vento”, que não são exatamente minicontos. Seja como for, com as exceções de praxe, prefiro novelas (romances menos extensos) como os magistrais “A morte e a morte de Quincas Berro d´Água”, de Jorge Amado, e “Meu tio o iauaretê”, de Guimarães Rosa, a romanções; e escrevo basicamente contos, que não por acaso, em inglês, são designados como short stories.
Por que escrevo assim? Não dá, no âmbito desta crônica-confissão, para fazer análises estilísticas e psicológicas. Mas cabe admitir um aspecto: sou ansioso pra dedéu (já escrevi que Ansioso é meu nome do meio) e quero chegar logo ao desfecho do conto, de preferência inesperado. Gostaria muito de acompanhar eventuais reações de espanto ou prazer dos leitores. Como não posso fazê-lo, contento-me em provocá-las.
A essa altura, como em geral acontece quando produzo um texto, me vêm à mente intertextos de toda espécie, de algum modo relacionados ao escrito em elaboração: citações, trechos de poemas, até mesmo velhas piadas ouvidas quando moleque e que se incrustaram nos neurônios (é verdade que alguns surgem antes e servem de inspiração para o que vou escrever). Em seguida, trato de entrelaçar esse material ao conto, tornando-o mais denso e, espero, mais gostoso de ler. Hoje, porém, o intertexto é uma piada, e vai entrar aqui mesmo. Dei-lhe o nome de 347 – o número de textos que enviei para Notibras e o insólito título deste texto. É o seguinte.
Uma comunidade era famosa pelo extraordinário número de anedotas que circulavam entre seus integrantes. Tantas e tão variadas, conhecidas por todos, que decidiram numerá-las para evitar repetições enfadonhas. Assim, “O moleque e a viúva dadivosa” passaou a ser designado como 1; “O taradão e a galinha”, pelo número 2; “O papagaio e a mulher sem calcinha”, como 3, e assim por diante. Bastava dizer o número, todos recordavam o causo e caíam na risada.
Certo dia, alguém percebeu que a piada 37 arrancava gargalhadas homéricas. Decidido a alcançar essa glória fugaz, esperou uma semana, para não ser (muito) repetitivo, e sapecou:
– 37
Houve vários sorrisos e alguns risinhos, não passou disso.
Exasperado, o piadista fracassado explodiu:
– Porra, ninguém riu? Outro dia contaram a 37, todos se mijaram de tanto rir. Hoje, com a mesma piada, só uns sorrisinhos?
Um veterano, sábio como em geral o são os idosos, explicou-lhe, paciente:
– Não é o que se conta, é como se conta.
É o que busco, em meus textos: torná-los leves e de leitura agradável e dar-lhes, sempre que possível, um desfecho surpreendente. Para isso, a concisão é um requisito não indispensável, mas útil. A redução a um número é uma meta evidentemente inatingível, mas sigo nessa trilha.
Então, leitores e leitoras, curtam esta crônica. Lá vai:
– 347.