Qualificativos
Cadu Matos, humilde no último, recorre ao equivocado Graciliano Ramos
Publicado
em
Gente, Notibras/Café Literário criou uma página no Face. E passou a apresentar as contribuições dos confrades usando e abusando de adjetivos: grande, ótimo, excelente, incrível, hilário, talentoso, imortal, incomparável, cinematográfico e por aí vai.
Quanto a mim, fui apresentado, todo pimpão, como escritor número 1 e/ou contista-mor do Café Literário. Também fui qualificado como imprevisível, aclamado e controverso. Fiquei portanto em excelente companhia, ao lado da cronista Dona Irene, “colunista controversa”, segundo a equipe editorial, e da poetisa número 1 do Café.
Acontece que a referida poetisa é minha amiga de rede social desde antes do surgimento do Café Literário. Enviei-lhe então uma mensagem.
– Oi, amiga. Fomos promovidos a escritor número 1 e poetisa número 1 do Café Literário. Tô achando divertido.
– Pois é, amigo. Somos os números um.
– Os brahmas kkk.
Ficou nisso. Mas depois imaginei uma continuação selvagem, surreal, para o episódio. O resultado foram estas maltraçadas.
Eu havia assumido um de meus animais de poder, um pavão literário. Pavões abrem a cauda para conquistar fêmeas, não para se exibir para animais de outras espécies, entre elas a humana. Pavões literários, porém, abrem a cauda – mostram seus textos – para conquistar leitoras e leitores. Então, abri a cauda magnífica – e a poetisa número 1, transformada em pavoa literária, abriu uma cauda igualmente deslumbrante. Pavoas na natureza não têm um rabo tão bonito quanto o dos machos, fazem o maior doce, deixando aos pobres os esforços para seduzir e, quando tudo dá certo, fazer pavõezinhos, mas pavoas literárias não têm esses pruridos, mostram a cauda na maior. Em resumo, não se tratava de um convite feito e aceito para um transetê, nem mesmo de um esforço para seduzir leitores, e sim de um reconhecimento entre pares – mais ou menos o equivalente de dois cachorros que cheiram o fiofó um do outro.
– Então, pavoa, viu a porrada de adjetivos que os editores notibrescos estão usando, para qualificar autores e produções?
– Sim pavão, estou preocupada, há cada vez mais confrades, os qualificativos perigam se repetir.
– Nada disso, pavoa, falta muito pra esgotar os elogios no vernáculo. Insigne, inimitável, insuperável, considerado, estimado, ovacionado, nec plus ultra, supimpa…
Mencionei os três qualificativos colados em meu lombo e acrescentei:
– Notibras mencionou dois escritores controversos, Dona Irene e eu, e dois imprevisíveis, acho que o Gilberto Motta também foi chamado assim. Gosto do imprevisível, dá uma ideia de perigoso…
– No meu caso, que eu saiba, sou a única incomparável – confessou a pavoa/poetisa número 1. – Você acha que os confrades vão ficar ressentidos com tanta rasgação de seda para o casal brahma?
– Espero que não, pavoa. Acho que a moçada tá se divertindo, que nem nós dois. Se bem que sempre haja algum risco…
Resumi pra ela meu conto “Chá de sumiço”, já publicado por Notibras. Certo escritor, ao receber elogios, brincava sempre: “Menos, assim eu me derreto, escorro pelo ralo e sumo!”
Até que ele escreveu algo excepcionalmente bom, recebeu elogios entusiásticos, quase chorou de reconhecimento…
“E aí não deu outra: começou a derreter, escorreu pelo ralo e desapareceu da face da Terra.”
A pavoa deu um risinho, eu também, mas fiquei preocupado. Então, dirijo este conto aos responsáveis pela página do Café Literário (acho que é a Cecília Baumann, não tenho certeza):
– Menos qualificativos, por favor. Como ensinou Graciliano, adjetivos devem ser usados com parcimônia, que nem açúcar, pra não enjoar. Ou então a tigrada, a pavoa e o pavão incluídos, corre o risco de derreter e descer pelo ralo!
……………………………………..
- Cadu Matos, o escritor número 1/escritor-mor, é o autor mais publicado no Café Literário.
- Luzia Couto não é apenas a nossa poetisa número 1 , como também é a autora mais publicada no Café Literário.
- Os editores Cecília Baumann, Daniel Marchi e Eduardo Martínez discordam veementemente da afirmção do grande Graciliano Ramos, que não viveu para se encantar com os autores publicados no Café Literário.