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Jacareste

Cafajeste contumaz, chega a hora, se dá muito mal

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

“No tempo em que os animais falavam” é uma frase enganosa. O correto seria “No espaçotempo em que os animais falavam e ainda falam”, quer dizer, em um universo paralelo a este em que vivemos.

Pois bem, nesse universo paralelo, na Amazônia brasileira, vivia um jacaré-açu dos taludos, de mais de 5 metros de comprimento. Situado no alto da cadeia alimentar, não temia bicho algum. Seus muitos desafetos – todos ocupantes dos níveis abaixo da cadeia, que ele devorava a seu bel prazer – o chamavam por um apelido nada lisonjeiro: jacareste, cruzamento de jacaré com cafajeste.

A verdade é que ele era o rei da cafajestice, embora se considerasse o rei de uma espécie mais nobre, da malandragem. Pela TV interdimensional, vibrou com os cafajestes brazucas bem nutridos que, pastichando a canção guerrilheira Bella Ciao, cantaram Messi Ciao depois que a Argentina perdeu uma partida na Copa do Mundo no Qatar. O jacaré-açu os considerou heróis da brasilidade. (Depois a Argentina se sagrou campeã, os cafajestes humanos imbecis silenciaram, com o rabo entre as pernas, o jacareste também.)

Foi ao acompanhar as partidas de futebol que o jacaré se encantou com as possibilidades alimentares do Mediterrâneo. “Vou pra lá”, pensou. “Vou ser o rei do pedaço e comer tudo o que encontrar. Não aguento mais essa dieta de macaco, capivara, veado, tartaruga, piranha e outros peixinhos, sucuri e outras cobrinhas”. Ele pensou em ir nadando, mas era longe demais. Decidiu então voar pela AirBicho e, para comprar a passagem, lançou-se em uma captura frenética de presas. Em um esforço sobreanimal de autocontrole, não as devorava; tratava de encaminhá-las a um intermediário humano tão malandro quanto ele, que os vendia no Ver-o-peso, em Belém, e em outros mercados e feiras da Amazônia.

Depois de receber a passagem, o jacarezão devorou o intermediário, para não pagar a comissão combinada – de resto, sabia que o fiodeumaegua tinha ficado com boa parte da grana – e embarcou, todo pimpão, no aparelho da AirBicho. Horas depois, desembarcou em Barcelona e se lançou nas águas do Mediterrâneo. Nelas devorou enormes quantidades de atum-rabilho, que chega a pesar 600 quilos, para não mencionar peixes menores, de aperitivo.

“Malandro que é malandro se dá bem”, disse a si mesmo o jacareste, enquanto seguia vagarosamente para a África do Norte, acompanhando os cardumes de atum. “Tô com a vida que pedi a seu Zé Pelintra, protetor da malandragem”.

De repente, o jacaré-açu avistou um bicharoco maior que ele, que avançava em sua direção, a boca arreganhada para o combate. Era um crocodilo-do-nilo e pesava mais de uma tonelada. Para piorar as coisas, tinha a fome e a determinação dos imigrantes africanos que buscam sobrevivência a qualquer preço na Europa. “Vou acabar com esse burguesinho que vem fazer turismo na África do Norte”, pensou o crocodilão. “Allah akbar!” (Ele não sabia o significado exato dessas palavras, mas sabia que era uma coisa da religião muçulmana, professada pela esmagadora maioria dos humanos de seu país, o Egito, e achava o som bonitinho.)

E atacou o brazuca.

Uns 15 minutos depois, havia um jacaré-açu a menos nos dois universos paralelos, o nosso e o dos bichos falantes, e o crocodilo-do-nilo, sua fome temporariamente saciada, prosseguiu em direção às maravilhas (alimentares) da União Europeia.

Moral (?) da história: o brasileiro precisa parar com essa mania de se considerar o rei da malandragem. Na maioria das vezes, só faz uma cafajestice atrás da outra. E acaba se dando mal.

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