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Passado obscuro

Candidato invisível, Arruda tem medo de quê?

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Autor/Imagem:
José Seabra - Foto de Arquivo

O espírito é natalino, as luzes piscam no Eixo Monumental, nas janelas dos apartamentos, mas há um personagem que prefere circular às sombras. É José Roberto Arruda, ex-governador, ex-senador, ex-deputado — e, sobretudo, ex-cassado. Hoje ele ensaia mais uma volta ao Palácio do Buriti, mas age como quem atravessa um campo minado de olhos vendados. Vive escondido nas redes sociais, protegido por vídeos editados, frases genéricas e uma biografia cuidadosamente plastificada.

Arruda não concede entrevistas. Marca, confirma… e desmarca em cima da hora. Com Notibras, isso não aconteceu uma vez, mas em diferentes oportunidades. Sempre surge um imprevisto, uma agenda paralela, um silêncio súbito. O ex-governador fala muito — desde que seja sozinho, diante da própria câmera, sem perguntas, sem contraditório, sem memória.

Afinal, do que ele tem medo? Medo dos escândalos que levaram à sua cassação por corrupção? Das imagens que o país inteiro viu — e que Brasília jamais esqueceu — dele e de aliados recebendo dinheiro em espécie das mãos de Durval Barbosa, então presidente da Codeplan? Medo das gravações em que a propina circulava com a naturalidade de quem passa o café da tarde? Ou medo de explicar, mais uma vez, que aquele dinheiro tinha destino nobre – o famoso panetone, metáfora natalina que entrou para o folclore político brasileiro como símbolo do escárnio com a inteligência do eleitor?

Talvez o temor venha ainda de mais longe. Da sua passagem pelo Congresso Nacional, onde ajudou a manchar, com tintas grossas, a já combalida imagem política de Brasília. Arruda não carrega apenas um currículo; seu fardo é um prontuário político que insiste em reaparecer sempre que alguém faz a pergunta errada, que o anima, ou a certa, que o transtorna.

Mas há um medo mais recente, mais jurídico, mais silencioso. Trata-se da ADI 7881, que repousa nas mãos da ministra Cármen Lúcia, no Supremo Tribunal Federal. A ação, movida pela Rede Sustentabilidade, questiona a Lei Complementar 219/2025, que alterou a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) para flexibilizar as regras de inelegibilidade. Na prática, abriu-se uma porta lateral para acelerar o retorno ao jogo eleitoral de políticos condenados.

A Rede, ao lado de entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), vê nisso um retrocesso grave, uma tentativa de esvaziar a essência da Ficha Limpa e reabilitar, a toque de caixa, figuras que a sociedade já havia colocado em quarentena democrática. O pedido é claro: suspender as mudanças para preservar a moralidade eleitoral, sobretudo às vésperas das eleições de 2026.

E aqui o silêncio de Arruda ganha contornos ainda mais reveladores. Como falar em candidatura sem explicar por que depende tanto de uma lei contestada no Supremo? Como se apresentar como “novo” sem enfrentar o passado que o STF pode, a qualquer momento, trazer de volta ao centro do palco?

Arruda prefere o conforto do monólogo. Evita jornalistas porque jornalistas perguntam. Perguntam sobre cassação, sobre dinheiro vivo, sobre gravações, sobre leis feitas sob medida, sobre atalhos jurídicos e sobre panetones que nunca convenceram ninguém fora do marketing político.

O Natal pede reconciliação, é verdade. Mas reconciliação exige memória, não amnésia. O eleitor brasiliense já engoliu muita coisa ao longo de décadas. Resta saber se, em 2026, aceitará novamente o mesmo embrulho, sempre com laço dourado, discurso ensaiado e recheio conhecido.

Porque, no fundo, a pergunta permanece ecoando nos corredores do poder e nas ruas do Distrito Federal: Arruda tem medo de quê?

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José Seabra é CEO fundador de Notibras

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