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Entrevista/João Pedro Stédile

Capitão do mato, Bolsonaro dará Brasil a Trump

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Autor/Imagem:
Emilly Dulce/Brasil de Fato

A rápida perda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro (PSL) – apontada por seguidas pesquisas de opinião pública desde o início do governo – deve se acentuar com o tempo e deixá-lo cada dia mais isolado, uma vez que o ex-capitão não conseguiu até agora apresentar um projeto para o país nem dispõe de base social capaz de sustentar por muito tempo seu discurso belicista e antipopular.

A avaliação é de João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina Internacional.

“A sociedade brasileira está estarrecida com o discurso e a prática dele. Então, é como se, a cada mês, a população ficasse mais impactada pela forma como o Bolsonaro explicita – de maneira honesta, do ponto de vista dele – sua visão de sociedade, mundo e Brasil. Essa visão explicitada pelo Bolsonaro, todos os dias, choca com a cultura, a política e os costumes do povo brasileiro. Portanto, eu acredito que, inclusive – como é essa tendência – quanto mais passar o tempo, mais isolado o Bolsonaro ficará”, afirmou Stédile nesta entrevista.

Para ele, o isolamento se dará em várias frentes, e não apenas no campo popular. “Quem forma opinião pública na sociedade não é só a Globo. São as igrejas, escolas, universidades, vizinhos, bares”, diz. “A ilusão que ele teve de que, pela internet e pelas redes, seguiria manipulando, se desfez. A manipulação, quando é baseada em uma mentira, tem um tempo de duração muito curto”.

Segundo Stédile, a esquerda e as forças populares precisam apresentar ao país um projeto estrutural que garanta emprego, renda e melhores condições de vida. Para que tais ideias cheguem à população, segundo o dirigente, um dos desafios da esquerda é aprimorar sua comunicação com as massas.

“Não há uma receita única, há mil e uma formas de comunicação de massa, que vão desde o rádio, o jornal, o boletim, a pichação, uma música ou uma manifestação cultural”, diz. Mais adiante, completa: “Os movimentos populares e a esquerda em geral têm que renovar os métodos de fazer a pedagogia de massas, ou seja, como trabalhar de forma diferente para conscientizar o povo”.

Veja trechos da entrevista:

A pesquisa Ibope mais recente, divulgada no último dia 25 de setembro, mostra que a rejeição de Bolsonaro vem crescendo a cada mês. Além de ser a maior porcentagem desde janeiro, ele também bateu um recorde de rejeição em um início de governo desde José Sarney. O que isso indica?

São apenas os primeiros indícios de que o governo Bolsonaro não tem base social nenhuma. Ele foi fruto de uma manipulação da Globo e das redes sociais que, com apoio da campanha Trump e do Mossad (serviço de inteligência) de Israel, montaram poderosos robôs para atuar nas redes – WhatsApp, Facebook – e criaram todo aquele clima no último mês da eleição que, com a ausência do Lula, levou à possibilidade de o Bolsonaro se eleger. Mas, estar eleito e virar governo não significa representar a sociedade.

A sociedade brasileira está estarrecida com o discurso e a prática dele. Então, é como se, a cada mês, a população ficasse mais impactada pela forma como o Bolsonaro explicita – de maneira honesta, do ponto de vista dele – sua visão de sociedade, mundo e Brasil. Essa visão explicitada pelo Bolsonaro, todos os dias, choca com a cultura, a política e os costumes do povo brasileiro. Portanto, eu acredito que, inclusive – como é essa tendência – quanto mais passar o tempo mais isolado o Bolsonaro ficará.

Inclusive em relação às alianças políticas?

Em tudo. O primeiro passo é a rejeição popular. Em um primeiro momento, ele conseguiu manipular. Por isso, inclusive, eles tiveram que atuar pró-Bolsonaro somente nas últimas semanas pré-eleição. Se eles começassem em abril/maio dava tempo de o povo se dar conta que eram mentiras. Então, ele foi fruto dessa manipulação midiática, que agora está se desfazendo.

Que desafios temos daqui para a frente? Quais devem ser as bandeiras centrais de luta?

Do ponto de vista da classe trabalhadora e do povo, há enormes desafios postos pela situação em que o Brasil vive. Um deles está relacionado em como enfrentar a crise generalizada que atinge a sociedade brasileira. Essa crise é prolongada, você não resolve de uma hora para outra nem com uma proposta apenas.

Por exemplo, nós temos 13 milhões de desempregados e 30 milhões em trabalho precarizado. Portanto, nós temos cerca de 50 milhões de trabalhadores que estão excluídos do processo produtivo. Isso não é fácil de resolver, mesmo que amanhã houvesse uma mudança política ou o Lula voltasse rapidamente – ainda que tenha que se respeitar o calendário eleitoral, e as eleições são só em 2022.

A esquerda e as forças populares precisam debater um projeto de país que tome em conta essas medidas estruturais para mudar a economia do país e garantir emprego, renda e melhorias nas condições de vida da população. O segundo desafio é justamente como chegar no povão com essas ideias. Não adianta nada termos as ideias claras entre nós – em cursos ou escolas, no Levante (Popular da Juventude) ou MST -, porque quem tem que se dar conta da necessidade de um novo projeto é o povão, são as grandes massas.

Então, o desafio das esquerdas e forças populares é como chegar a essas grandes massas, e não há uma receita única, há mil e uma formas de comunicação de massa que vão desde o rádio, o jornal, o boletim, a pichação, uma música ou uma manifestação cultural. A primeira manifestação contra o Bolsonaro foi pela cultura, quando a moçada utilizou o carnaval para dizer nome feio para ele, e foi uma educação de massas. Embora naquele clima folclórico do carnaval, a turma identificou o Bolsonaro como um inimigo do povo brasileiro e da cultura.

O terceiro desafio é que a classe trabalhadora e as forças populares precisam ter unidade política em construir uma plataforma de luta comum. Isso também não é fácil, porque os partidos têm seus interesses próprios. Em geral, os partidos no Brasil não são instituições políticas para organizar o povo e fazer a luta de massas. Os partidos institucionais no Brasil estão organizados apenas para disputar eleição. A lógica eleitoral não necessariamente é uma lógica da luta de classes e da mudança social. O partido pensa: “quem vai ganhar as eleições na prefeitura, de vereador ou deputado?”. Isso, às vezes, está distante daquilo que o povo quer: emprego, casa, educação e saúde.

Um último desafio é que os movimentos populares e a esquerda em geral têm que renovar os métodos de fazer a pedagogia de massas, ou seja, como trabalhar de forma diferente para conscientizar o povo. Por um lado, não dá para colocar todo mundo em sala de aula. Por outro lado, não adianta se iludir que carro de som e comício educam, às vezes até deseducam. Então, nós temos que ser criativos e encontrar novas formas pedagógicas de vender nossa mensagem e fazer com que o povo tenha consciência. Consciência quer dizer conhecimento do que está acontecendo no Brasil, para que, a partir disso, o povo se proponha a mudar a realidade.

Entre um dos aspectos que o capitalismo trouxe – não só para a sociedade brasileira, mas para todo o mundo – há também a crise ambiental. Ela é gravíssima, porque trata das condições de vida no meio ambiente. Todo mundo precisa comer e o alimento faz parte da natureza. Todo mundo respira e precisa de oxigênio para sobreviver. Todo mundo precisa beber água e ela tem que ser boa, senão você vai ingerir doenças. Milhares de crianças pelo Brasil afora, por exemplo, ainda morrem porque bebem água que não está em condições ideais; então morrem de disenteria, infecção ou por alguma bactéria que pegam pela água.

Esses temas estão relacionados diretamente com o meio onde a gente vive e com a forma como estamos nos relacionando com a natureza. Tudo vem da natureza: o alimento, a água, o oxigênio, o clima e as alterações climáticas. Se a natureza é agredida, ela desequilibra: a temperatura, o período de chuvas e os ventos, por exemplo.

Também faz parte de outro projeto para o Brasil como se resolve a crise ambiental. Na verdade é ter outra postura, seja como seres humanos ou como modo de organizar a produção frente aos problemas das agressões que o capital vem fazendo contra a natureza.

Bolsonaro tem um projeto de país? Se sim, qual seria ele?

O lado bom é que ele não tem um projeto de nação brasileira. O Bolsonaro é um mero capitão do mato, para fazer referência a essa figura da história da escravidão. O capitão do mato era um negro que andava armado fazendo o papel de polícia na senzala a mando do senhor de escravos “branquelo” capitalista. Agora, nosso senhor capitalista são os bancos e as grandes empresas transnacionais, cujo foco é os Estados Unidos.

Então, o capitão do mato moderno é o Bolsonaro e ele se subordinou completamente ao seu patrão “branquelo” que está representado na figura do Trump. Mas, não é o Trump como pessoa, mas a simbologia do grande capital dos Estados Unidos, que precisa dominar nossa economia, se apropriar do nosso petróleo, minério de ferro, mercado e das estatais – assim como já se apropriaram da Embraer. Eles querem tomar conta da Eletrobras, da Petrobras e dos Correios.

Quem quer comprar os Correios é a Amazon para poder distribuir as bugigangas deles. Então, o papel do Bolsonaro é simplesmente ser um capitão do mato a serviço dos interesses do capital internacional, seja ele financeiro ou das empresas transnacionais. Nisso há a grande contradição, até por ele ser militar: ele não defende um projeto para a nação brasileira e os interesses do povo brasileiro.

Ele esteve nos Estados Unidos de forma patética: se encontrou com o Trump e disse em inglês: “eu te amo”. Isso é ridículo: dois chefes de Estado se encontram. Na simbologia, são dois povos. E nenhum deles merece esses governantes.

O lado bom disso é que as pessoas vão se conscientizar de que esse governo não tem nada a ver com a nação brasileira e que, portanto, nós temos que construir, com o povo e as forças populares, um projeto de nação.

Uma das pautas que o ex-presidente Lula mais tem levantado é a defesa da soberania nacional. Qual a importância desse debate no atual contexto político, econômico e social? Na sua avaliação, quais são as saídas populares para as crises brasileiras?

Primeiro, uma palavra em relação ao Lula: eles tiveram que prendê-lo não porque ele cometeu algum crime, mas para evitar que o povo o elegesse presidente. Ele é a principal simbologia de unidade popular. Então, o prenderam para tirá-lo do jogo político.

Felizmente, como ele está estudando e dialogando com as forças produtivas e políticas, tem tido a clareza de se manifestar nas entrevistas de uma forma muito objetiva, sinalizando para as forças populares e para o povo onde está a raiz dos problemas. Nós temos que recuperar a democracia no sentido de que o que aconteceu em Curitiba foi uma fraude. A eleição do Bolsonaro foi uma fraude. Nós temos que recuperar a soberania sobre nosso patrimônio, ou seja, o povo tem que ser o cuidador e proprietário da Eletrobras, da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa.

Então, o Lula chama a atenção: “nós não podemos deixar que o Bolsonaro entregue a Caixa para o capital financeiro”. A Caixa é do povo brasileiro. Aliás, foi o primeiro banco que se organizou no Brasil desde cerca de 1820, assim como os Correios foi a primeira instituição pública no Brasil com Dom João VI. Não é um governo o dono dos Correios, é do povo brasileiro. A soberania não é um negócio de retórica, de palavras, mas, sim, que o povo tem que controlar esse patrimônio que é de todo o povo.

Então, um ponto central na construção desse projeto para o Brasil é discutir com a classe trabalhadora as linhas gerais do que seria um novo modelo de economia para resolver os problemas do povo. Os dois focos principais são reindustrializar o país, ou seja, fazer pesados investimentos públicos para desenvolver a indústria, e fazer pesados investimentos na agricultura familiar.

Os setores de serviços, comércio e finanças não produzem nada. O dinheiro e as mercadorias só circulam. A base do desenvolvimento de qualquer economia e sociedade são os setores que produzem novos bens, seja na indústria ou na agricultura. Mas, eles têm que estar voltados para resolver os problemas do povo. Vamos supor: a indústria automobilística ou de transporte. Você pode investir na indústria de carro de luxo – como está agora – ou ter essa mesma indústria fabricando trens, metrôs e ônibus automáticos e mais confortáveis.

Porque não se resolve o problema de transporte das pessoas no Brasil com automóvel, mas com transporte coletivo. Da mesma forma na construção civil. Você vai construir viaduto para os carros ou casa popular? Essa é uma decisão em um debate de projeto. Tijolo, cimento e vidro existem no Brasil, mas você tem que decidir para o que você vai usar.

Na agricultura a mesma coisa. Você tem que investir na agricultura para produzir os bens que o povo precisa. O que o povo precisa da agricultura? Comida boa, saudável, sem veneno e barata. Quais são as forças que podem produzir comida boa, barata, saudável e sem veneno? Só os camponeses. O agronegócio – as grandes extensões de terra – pode até ter lucro, mas a produção é só para ganhar dinheiro. O agronegócio não produz comida, mas mercadoria e lucro.

Ele só consegue produzir em larga escala porque usam intensivamente os venenos, que contaminam a água, o lençol freático (debaixo do solo), o ar e o estômago. Quando você come a soja contaminada, está botando para dentro de seu estômago o veneno. Quando você vai tomar um leite, a vaca foi tratada com hormônio e o pasto tinha veneno, dentro dele já tem veneno.

No Mato Grosso, onde predomina a soja, já tem pesquisa comprovando que no leite materno tem veneno. As mulheres tomam água e comem alimentos com venenos. Na hora de amamentar os filhos, elas acham que está dando o melhor alimento do mundo, mas o leite materno tem doses sistemáticas de veneno. Então, um projeto tem que pensar isso: uma nova agricultura e uma nova indústria.

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