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Meu amigo Charlie

Carlota, nova dona do pedaço, promete gargalhadas infantis

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Rodrigo Martínez

Nunca entendi essa coisa de melhor disso ou aquilo, mas sempre soube de uma coisa, que ainda hoje, após quase 40 anos da última vez que estivemos juntos, que o Charlie me fez dar boas risadas. Aquela cara amassada, a língua tombada para o lado, aqueles olhos me encarando e me convidando para que eu jogasse mais uma vez a bolinha para que ele fosse buscá-la.

Charlie, nome escolhido por minha mãe, era meu grande companheiro naqueles tempos de menino. Corria solto pelo gramado em frente à nossa casa, mas sempre buscando saber onde eu estava. De vez em quando, eu me escondia atrás de uma árvore. Pra quê? O meu cachorro parava, olhos arregalados, aquela expressão de quem estava sem chão. Mais eis que eu tentava ver como é que ele ficava, meus cabelos pretos me denunciavam, e, correndo que nem um estabanado, o Charlie saltava em mim. Rolávamos na grama, enquanto meu buldogue lambia meu rosto.

— Cássio, você vai participar do amigo oculto?

É a Paula, colega de trabalho, que vem me perguntar se vou querer entrar na costumeira brincadeira de final de ano. Amigo oculto. Se eu tirasse o Charlie, certamente lhe daria um belo osso defumado. Ele adorava, apesar da mamãe reclamar da sujeira que ficava na sala. Papai e eu ríamos, enquanto minha irmã, Maria Flor, que ainda era bem pequena, a tudo olhava sem entender, talvez querendo participar daqueles momentos.

— Cássio?

— Ah, sim! Vou, sim, Paula.

Assim que me vejo só em meus pensamentos, volto a recordar como é que Charlie sabia viver. Será que eu, agora aos 52 anos, me diverti tanto? Meu amigo sempre estava de bom humor, enquanto eu continuo aqui entretido com preocupações do trabalho. Vontade de largar tudo e correr atrás de uma bolinha não me falta, mas a coragem ficou naqueles tempos de menino.

Mal saio do escritório, caminho em direção ao estacionamento. Percebo que o trânsito está caótico e resolvo comer um pastel no quiosque ao lado. Uma chuva repentina me faz buscar abrigo debaixo do toldo, quando, também buscando fugir da forte água que cai, surge um vira-lata, que busca a barra da minha calça, talvez para se esquentar.

Não é um filhote, mas também não me parece ser muito velho. Está magro e me lança aquele olhar de sofrimento. Ofereço-lhe o resto do pastel, e o cachorro o devora, como se fosse a primeira refeição em dias.

Troco algumas palavras com meu companheiro de última hora. Ele me responde esfregando o focinho nas minhas pernas, até que se vira com a barriga exposta. Acaricio o ventre e, então, percebo que meu amigo é, na verdade, uma menina.

De brincadeira, começo a chamá-la de Carlota, até que a chuva para repentinamente. Pego o controle do carro e o aciono. Vou em direção ao automóvel e, antes de abrir a porta, volto meu rosto para a cadela, que está sentada debaixo do toldo. Ela me encara, como se dizendo que foi bom me encontrar.

Sento ao volante, ligo o motor, mas sou do tipo impulsivo. Saio do veículo e assovio. Carlota entende meu chamado e, logo em seguida, está sentada no banco ao lado. Estamos indo para casa. Não vejo a hora de comprar um belo osso defumado para a minha nova amiga. Minha esposa talvez reclame da sujeira na sala, mas tenho certeza de que a nossa filha dê boas gargalhadas.

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