O LADO B DA LITERATURA
Cecília Meireles gostaria de morrer em paz
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Segunda-feira, dia 9 de novembro de 1964, Rio de Janeiro, Estado da Guanabara. Fechavam-se, pela última vez, os olhos verdes-claros de CECILIA Benevides de Carvalho MEIRELES, poeta brasileira. Deixava o marido, Heitor Grillo, e as filhas do primeiro casamento, Maria Elvira, Maria Mathilde e Maria Fernanda. Tinha acabado de completar 63 anos de idade, media 1,64m, era quase vegetariana, não bebia, não fumava. Não praticava nenhum esporte, mas adorava longas caminhadas, e sentia que podia dar a volta ao mundo a pé. Admiradora de Ghandi, de São Francisco de Assis e das canções medievais, espanholas e orientais, colecionava objetos de arte popular e xícaras e colheres de café. Não gostava de futebol, odiava tocar papel-carbono, ver comerem ostras e aspirar fumaça de ônibus.
O amigo de longa data, Carlos Drummond de Andrade, não foi a seu enterro, no cemitério de São João Batista. Relatou que não conseguiria vê-la adormecida para sempre, e queria guardar outra imagem dela.
Quando criança, uma de suas brincadeiras favoritas era passar horas desligada do mundo, protegida por uma muralha de livros que fazia sob a grande mesa antiga na casa de sua avó, a açoriana Jacintha Benevides, sua mãe de criação, já que ficara órfã aos dois anos de idade. A babá Pedrina de Jesus foi sua grande amiga e companheira. Aos treze anos, a poeta leu Eça de Queiroz.
Foi professora primária, secundária e universitária. Lecionou na antiga Universidade do Distrito Federal e nos Estados Unidos, pelo início dos anos de 1940. Criou a primeira biblioteca pública infantil do Brasil, no Pavilhão Mourisco, em Botafogo, no Rio.
Jornalista, colaborou para vários jornais e revistas em temas de educação e folclore.
Seu livro “Viagens” obteve o primeiro lugar no prémio da Academia Brasileira de Letras em 1938. Seu “Romanceiro da Inconfidência” foi laureado, em 1951, pelo Governo de Minas Gerais com a Medalha da Inconfidência, a mais alta comenda daquele estado.
Esse livro, dentre outros, foi traduzido para diversos idiomas.
Em 1953, foi agraciada com o título de “Doutor Honoris Causa” pela Universidade de Nova Dehli, na Índia, onde tomara parte numa conferência internacional sobre educação.
Sentia ser quase inexistente o lado humano de sua vida, que por isso não tinha ocorrências biográficas dignas de nota.
Traduziu peças de teatro, algumas das quais foram encenadas com a participação de sua filha Maria Fernanda, que era atriz.
Dizia ter o vício de gostar de gente, ter tal amor pela criatura humana, em profundidade, que até parecia doença. Tinha amigos em toda parte, mas, portadora de um jeito esquivo, achava o ser humano sagrado e não invadia o espaço de ninguém. Tinha “pudor de invadir” e “medo do perto”.
Morava muito próximo ao local onde se toma o trem para o Corcovado.
Pouco antes de partir desta vida, internada no hospital, teve a visão de São Sebastião todo dourado, crivado de flechas… ‘que motivo para um poema’! – disse ela para seu marido.
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Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.