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Bode continua na sala

Centrão veste coletes para pular do barco de Jair Bolsonaro

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

A esperança de que dias melhores estão por vir é um verdadeiro mantra para as hostes do Centrão. Com essa expectativa, nas últimas décadas entram e saem de governos com espantosa rapidez. Aderem como os melhores amigos e fogem como os piores inimigos. Foi assim com José Sarney, Fernando Collor e Dilma Rousseff. Só Luiz Inácio se salvou do colegiado da negociação, mas foi alcançado pelo então porta-voz do esquadrão, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, partícipe e delator do esquema de corrupção chamado de mensalão. Cassado em 2005, Jefferson é hoje um dos principais interlocutores do atual presidente da República. Sinal de que a política é uma caixinha de surpresa.

Conjunto de partidos sem orientação ideológica, mas com objetivo cristalino de assegurar proximidade, vantagens e privilégios do Poder Executivo, o Centrão tem no único artigo do seu “regimento interno” uma máxima: jamais esperar o barco afundar. Faz parte do DNA do bloco pular fora ao primeiro sinal de furo no casco. E o buraco inaugural, que pode virar um rombo, é a CPI da Covid, considerada pela maioria dos analistas políticos como o fiel da balança para uma futura quase certa decisão do poderoso grupo. Além disso, há o aumento dos protestos da esquerda, com apoio de manifestantes do centro, o crescimento de Luiz Inácio nas pesquisas e as denúncias dos irmãos Miranda, colando suspeitas de corrupção no governo eleito com o discurso anticorrupção.

Embora os termômetros indiquem um claro esfriamento nas relações, por enquanto os “generais” do Centrão permanecem firmes no “comando” do governo do capitão. Não se sabe até quando. Mesmo para os leigos, a certeza é de que não haverá mais comprometimentos caso os índices relativos à temperatura do Palácio do Planalto continuem em queda livre. Outro ponto relevante será a eventual confirmação da fala bombástica de Jair Bolsonaro incriminando o escaldado líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), na compra superfaturada da vacina Covaxin, a mesma que já derrubou o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias. Ele foi acusado de cobrar propina de US$ 1 por cada dose negociada.

A demissão de Roberto Dias ocorreu menos de uma semana após o presidente da República, ministros palacianos e parlamentares da base aliada jurarem que essa gestão está acima de qualquer suspeita. Um dos expoentes do Centrão, Ricardo Barros, se não for bem tratado e apoiado pelo governo, tem tudo para se transformar no Roberto Jefferson de Luiz Inácio e de José Dirceu. Jefferson implodiu a República petista porque deixou de ganhar alguma coisa. Alguém duvida disso? O fato tende a ser reprisado. Quanto a Barros, não precisa ser vidente para concluir que a repetição da implosão está exclusivamente vinculada à forma como a Presidência conduzirá a conversa anunciada por Luiz Miranda sobre a negociação do imunizante Covaxin, com a intermediação de Barros e da Precisa Medicamentos.

O resumo da ópera bufa é simples: ou amparam o deputado paranaense ou morrem todos afogados. A ordem é não assoprar forte, pois o risco de queda é grande. A conclusão lógica de todo esse quadro é de que o bode ainda está na sala, mas não oferece mais o risco que oferecia quando, estimulado por alguns tresloucados apoiadores, chegou a sugerir candidamente um golpe militar. Por tudo isso, considerando que nada mais interesseiro do que o Centrão, não será surpresa o rápido surgimento de um novo balcão de negócios já com vistas à divisão de cargos no próximo governo. E não importa quem seja o eleito. Pode até ser quem já foi. Com os coletes já tirados do armário, o Centrão nosso de cada dia está pronto para pular do barco que faz água. Afinal, para os líderes do bloco desgraça pouca é bobagem. Importante é garantir o primeiro quinhão.

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