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Linguajar tibetano

Cisgênero, oposto de transgênero, cospe na própria sombra

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Cisgênero é uma das dezenas de palavras que nossos avós falavam e se perderam no tempo. Por razões que não vêm ao caso, um ex-presidente do Brasil não soube o significado literal da expressão, mas, com muito pesar, digo que esse tipo (o cisgênero) é a pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Entenderam? Melhor deixar os detalhes para outra ocasião. Quem sabe quando eu e a maioria dos brasileiros escrevermos a versão definitiva da Canção do Exílio. Até lá, entendam como quiserem, mas não vendam como um sujeito hétero, macho alfa. Não é. Tô fora dessa toada, mas adianto, sem margem de erro, que o passarinho que dorme com morcego acorda com o rabo para cima e a cabeça para baixo.

Vou repetir uma frase cunhada pelo baluarte dos caçadores da tribo dos Olhos Vermelhos, após a ingestão da trigésima-segunda dose de Cointreau, também conhecido nas rodas capixabas como o néctar dos deuses imortais: Simius galhorum habitatum est, isto é, cada macaco no seu galho. É o que devo dizer a respeito das respostas inacabadas do semelhante. De qualquer maneira, embora nada tenha contra, afirmo que jamais rezei na cartilha dos cisgêneros. Por isso, ainda que metaforicamente e sem sirigaitar, contribuo sempre que posso com a travessia das pererecas abandonadas nas estradas e, principalmente, com as pombas inquietas e sem asas.

Tenho feito isso desde que o pastor responsável pela transposição do meu cisgênero me recomendou a frase latina mais popular dos tempos modernos: Carpe diem. Aproveitar o dia é o que tenho feito ad hoc, ou seja, sem planejamento. Persona non grata nas rodas políticas em que não posso ter opinião, optei por aceitar o status quo do povo que se acha diferente de quem prega a democracia, pois, sem qualquer dúvida, é melhor umulgere hircm (ordenhar um bode) do que o riso abundante na boca dos tolos, termo originário do latim risus abundat in ore stultorum.

Basbaque por querência e não de nascença, prefiro o Qui pro quo latino (isto por aquilo) do que o aportuguesado Quiprocó, que significa confusão ou balbúrdia. É melhor o isto por aquilo que, acredito, seja o mesmo que o dito pelo não dito. Na verdade, tenho pavor do modernismo da linguagem. No meu tempo de petiz, botica era só uma farmácia. Cisgenerosamente falando, hoje o vocábulo pode ser tudo, inclusive aquilo que se oferece no escurinho do alpendre, mas nunca uma loja de revenda de vaselina e lubrificantes usados para azeitar a fuzarca. Da derivação do latim masculum, sou daqueles em que, definitivamente, na bunada não vai dinha.

Voltando ao amigo pastor que me tirou a tempo do sacripanta caminho da tribo Aquidauanus, devo lembrar que a presença de um boi durante a cerimônia de casamento não é um bom sinal. Pior é quando ele muge. Aí, o cuidado tem de ser redobrado, pois, nesse caso, o sinal é de fartura de galhos. Bispo emérito da Igreja do Papo Reto e da Conversa Molhada sem Dízimo, meu atual mentor só destoa de minhas orações quando ele diz que há falhas no ditado latino barba non facit philosophum (a barba não faz o filósofo). Há controvérsias palpáveis. Pelo sim, pelo não, optamos pela lambada Turma do Gambá, onde até o cheiro da coisa é em latim.

Basta que lembremos do barbado que nos governa. Ele realmente não é filósofo, mas, como a Deus nada é impossível (nihil est quo Deus efficere non possita). Resumindo esta vetusta narrativa latinizada sem querer, sou mais afeito ao nosso linguajar tibetano, aquele em que chumbar a marreca e descabelar o palhaço se completam material, simbólica e fisicamente. Não sei se me entendem, mas, a pedido do pastor Valdemiro, conto o milagre, mas não digo o nome do santo. Antes que eu seja chamado às falas, devo encerrar com mais uma frase do latim capixabamente espartano do líder: Ego exspue in umbra mea. Se preferirem, cuspo na minha sombra.

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