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Clandestina sai do lugar comum para mostrar O Melófobo

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João Marcos Coelho

Há já alguns bons anos, instrumentistas em geral dedicados às músicas não comerciais – ditas de invenção na justa e feliz expressão de Augusto de Campos – aprenderam que se vive de apresentações ao vivo. Qualquer forma de gravação – CD, MP3, vídeo – deve antes de tudo estar gratuitamente acessível. O negócio é ser ouvido.

A tática alcança agora o reino editorial. A declaração de princípios estampada na página de abertura do portal da Editora Clandestina é clara: “Editora de filosofia sem fins lucrativos com o propósito de facilitar a divulgação de obras filosóficas e literárias em formato digital”. Sem alarde, foi formada por um grupo de professores do Departamento de Filosofia da USP. Já tem sete títulos em pdf gratuitos em seu portal.

“Há obras que merecem ser lidas pelo público em geral”, diz à reportagem o professor Márcio Suzuki, um dos editores da Clandestina, “e também por um público, inclusive dentro das universidades, que não poderia comprar um livro. Estamos pensando em imprimir uma pequena tiragem para os que quiserem ter o livro físico”.

O mote é publicar textos que não interessariam a editoras “normais”, mas constituem “iscas” saborosas que levam o leitor a querer saber mais sobre determinada obra, assunto ou autor. É o caso do livro que me levou a “descobrir” a Clandestina: “O Melófobo”. Lindo título para um conto maravilhoso de Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann (1776-1822). Polivalente, pintou, escreveu contos fantásticos, compôs. A crítica o considera compositor medíocre, mas sensacional escritor, inspirador de compositores, como Schumann e Offenbach, entre outros.

Melófobo quer dizer alguém que odeia música. O conto já foi traduzido também como “O Inimigo da Música”. Ironia pura. O menino, na verdade, é o único a sentir e compreender a música de modo verdadeiro. Num concerto, ele descreve: “Já a primeira sinfonia desperta em mim tamanho tumulto, que fico morto para todo o resto. Não só isso, muitas vezes já a primeira frase me excita tanto, me abala tão violentamente, que desejo fugir dali a fim de poder contemplar mais nitidamente todos aqueles fenômenos estranhos que me tomam de assalto, a fim de poder entrar na maravilhosa dança, onde, no meio deles, sou igual a eles. Para mim é como se a música ouvida fosse eu mesmo”.

Em apenas 80 páginas, o livro abre um mundo novo ao leitor. Na sequência, lê-se a primeira grande crítica – sim, ele foi crítico musical também – da Quinta Sinfonia de Beethoven, que estabelece o primado da autonomia da música instrumental e o status do compositor como protótipo romântico, conceitos esmiuçados no excelente artigo de Márcio Suzuki sobre a importância da música em Hoffmann. Imediatamente depois dessa deliciosa leitura, é natural o impulso de sair à cata dos outros contos fantásticos de Hoffmann, das obras musicais que sua literatura provocou durante o século 19 e até de suas composições.

É o exemplo perfeito dos propósitos da Clandestina, como atesta Suzuki: “A ideia central é publicar textos que fazem um pequeno recorte sugestivo num tema ou questão, e que por isso mesmo não seriam aceitos pelas editoras porque não seriam uma obra integral e nem talvez compusessem um ‘volume’ com o número x de páginas, esgotando um assunto, etc. Também estamos fugindo das ‘introduções a…’. Herdamos um pouco, numa época mais difícil, o espírito da Biblioteca Pólen, criada por Rubens Rodrigues Torres Filho na Editora Iluminuras”.

Por isso, é bom visitar periodicamente o site da editora. Entre os próximos lançamentos, fique de olho em “Como Orientar-se no Pensamento”, seleção de textos de Leibniz, Buffon Euler e Kant sobre como a orientação no espaço é o paradigma da orientação no mundo das ideias; e “Os Paradoxos do Comediante”, seleção de textos de Riccoboni, Diderot e Kant sobre a arte do ator. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O MELÓFOBO
Autor: Ernst T. A. Hoffmann
Tradução: Márcio Suzuki e Mário Videira
Editora: Clandestina (79 págs.)

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