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Ariclenes, Fofa e a patroa

Clotilde cede à paixão e trio encanta a quadra

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Ariclenes não era turrão, mas tinha lá as suas manias e ideias, que, talvez, deixassem perplexos os que o rodeavam. O homem, mal acordava, subia e descia não sei quantas vezes de uma barra fixa na porta da cozinha. A desculpa eram as dores nas costas, precisava dar aquela esticada no corpo. Todavia, havia os que duvidavam dessa teoria, inclusive os que afirmavam que Ariclenes estava se tornando, cada vez mais, um metódico gagá.

Não que ele fosse tão velho assim, ainda lhe faltassem algumas primaveras para completar 60. Seja como for, o dia do Ariclenes não prosseguia sem fazer as tais barras. Depois dos exercícios matinais, eis que Fofa, sua simpática buldogue, dava os primeiros sinais de vida após uma longa noite de roncos. Era o sinal de que a cachorra queria dar uma volta pelo quarteirão.

O homem pegava a amiga no colo e lhe dava aquele cheiro gostoso de bom dia. A Fofa, como forma de retribuição de tanto amor, lambia a orelha esquerda do Ariclenes. Não demorava, lá estava aquela dupla inseparável na rua. O passeio levava quase uma hora, até que a teimosia da buldogue a fazia deitar no meio da calçada. E não adiantava que o dono insistisse em chamá-la, pois a cadelinha simplesmente se virava de barriga para cima e fechava os olhos, demonstrando que dali nem um guindaste a tirava.

Como não restava outra solução, Ariclenes sorria. Em seguida, ele se abaixava e pegava a Fofa no colo e, ainda com um sorriso na cara, voltava para casa. É lógico que sempre havia um ou outro comentário dos moradores do bairro: “A mocinha cansou!”, “Que menina manhosa!”, “Essa aí adora o colinho do papai!” Sejamos sinceros, pois o Ariclenes até gostava da situação. Afinal, como ele costumava dizer, “A Fofa tem personalidade!”

Tudo corria como de costume. O homem acordava bem cedo, fazia aquela infinidade de barras, a cachorra despertava de mais uma noite cheia de roncos, os dois passeavam pela quadra até que a Fofa empacasse, ele a pegava no colo e voltavam para casa felizes da vida. Pois bem, até que o Ariclenes começou a namorar a Clotilde, uma viúva do bloco da frente.

A mulher, que passara a vida inteira sem ter um animal de estimação, nem sequer um peixinho dourado, foi se envolver justamente com o Ariclenes. Pois é, mas paixão tem dessas coisas, faz questão de instigar os apaixonados, como se quisesse que esse sentimento arrebatador não durasse mais que um verão. E foi justamente naquela noite, a primeira em que os pombinhos iriam passar juntinhos na ampla cama do quarto do Ariclenes, que Clotilde descobriu que a Fofa também dormia ali.

– Ariclenes, não tem cabimento essa cachorra dormir na cama!

– Clotilde, meu amor, os cães vivem tão pouco, que seria egoísmo da minha parte se não deixasse que a Fofa dormisse aqui.

Não se sabe qual foi o desenlace amoroso daquela noite, mesmo porque não cabe aqui destrinchar a vida íntima dos outros. Entretanto, todos na quadra sabem que, a partir de então, Clotilde, Ariclenes e Fofa passeiam todas as manhãs.

A buldogue, agora com uns pelinhos brancos ao redor do focinho, continua empacando, o que obriga o Ariclenes a se abaixar e pegá-la no colo. Em seguida, três sorrisos voltam para casa, certos de que a vida é muito curta para se preocuparem com besteiras.

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