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Reflexos da Covid

Com os hospitais cheios, pessoas morrem em casa

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Autor/Imagem:
Paula Adamo Idoeta - BBC News

Em um único plantão, uma médica do Samu (Serviço do Atendimento Móvel de Urgência) em Manaus chegou a atestar cinco mortes por covid-19 de pessoas que morreram em suas próprias casas.

“Era muita coisa. Antes disso, eu não costumava constatar nenhum óbito (doméstico) no meu plantão”, conta a médica, que pediu para não ser identificada. “Em geral eram pessoas idosas, de 70, 80 anos. Esperavam em casa mesmo, porque sabiam que não iam ter assistência nos hospitais (superlotados). Tentavam no limite tudo o que podiam em casa.”

Enquanto a situação é dramática em boa parte da rede de saúde brasileira em meio à pandemia, há pacientes como esses, em estado grave, que nem estão tendo a chance de receber atendimento médico: estão morrendo fora dos hospitais, muitas vezes de uma piora rápida e inesperada da covid-19 ou com medo de ir ao médico e pegar a doença.

Em alguns Estados esse aumento foi muito maior: o Amazonas teve 149%, o Rio de Janeiro, 40% a mais e São Paulo, 14,5%.

É um fenômeno que tem se repetido em outros países e regiões cujos sistemas de saúde têm sido duramente atingidos pelo novo coronavírus. No Reino Unido, um levantamento recente do jornal The Guardian identificou cerca de 8.000 mortes domiciliares a mais durante a pandemia do que no mesmo período de anos anteriores.

Nos EUA, o país com o maior número de casos e mortes de covid-19 no mundo, também há preocupações com um aumento expressivo de mortes fora de hospitais. Em abril, um levantamento feito na cidade de Nova York apontou que o número de moradores morrendo em casa subiu para 200 por dia. Antes da pandemia, eram 20 a 25 por dia.

Lá, também, aumentou o temor das pessoas em procurar médicos e hospitais. Em abril, uma pesquisa do Colégio Americano de Médicos Emergenciais apontou que quase um terço dos adultos ativamente adiaram ou evitaram buscar atenção médica, com medo de se exporem ao coronavírus.

Causas prováveis
Desse total, segundo as certidões de óbito, 80% das pessoas morreram de problemas não relacionados à covid-19. Isso parece ser um indicativo de que pacientes com outras enfermidades graves podem estar tendo menos acesso a tratamentos, uma vez que quase todo o sistema de saúde está voltado ao controle da pandemia.

Para Jason Oke, estatístico do Departamento de Ciências de Cuidados Primários da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a ausência de detalhamento dos dados até agora dificulta explicações definitivas sobre o aumento das mortes domésticas. Mas ele aponta três causas prováveis e simultâneas:

Pacientes com covid-19 com quadro moderado, mas que pioraram repentinamente;

Pacientes com doenças terminais que provavelmente morreriam em hospitais mas, em meio à pandemia, acabam temendo a hospitalização e ficam em casa;

Pacientes com outros problemas médicos, desde sinais de mal-estar que podem ser de um infarto até um AVC, por exemplo. Com medo de se infectar, esses pacientes estão evitando buscar atendimento médico e perdendo acesso adequado ao serviço de saúde.

Nesse último caso, os pacientes podem acabar morrendo não por causa do coronavírus em si, mas como um efeito colateral da pandemia.

“No momento, é difícil determinar com certeza, mas é provável que essas três coisas estejam acontecendo juntas”, diz Oke à BBC News Brasil. “Ainda não temos dados completos, e não é que as pessoas estejam sendo impedidas de ir ao médico, mas há menos exames de câncer e menos cirurgias sendo feitos, e há evidências também de que as pessoas estão fazendo menos consultas e evitando ir aos hospitais.”

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