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Voracidade tecnológica

Como o paraquedas, o cérebro humano só funciona se estiver aberto

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Antigo leitor de jornais, revistas, almanaques, compêndios e até bulas de remédio, decidi partir de mala e cuia para as redações logo após a conclusão do curso de datilografia. Ainda era um rapazote quando ouvi de alguém mais experiente que tudo seria fácil não fossem as dificuldades. Foi a senha para buscar o novo caminho. Como o bairro em que morava tinha profundas limitações, não podia sequer pensar em desistir do meu sonho. Não havia outra padaria para eu tentar outro. Vivia cada dia como se fosse o último, com a certeza de que um dia acetaria.

Comecei a ler as pérolas do “colega” Apparício Torelly e logo descobri que o trem ou o bonde são as únicas coisas que não mudam de caminho. Viajei nas ondas sonoras do rádio, vivi a consolidação da televisão, mas minha vocação era a imprensa escrita. Para isso, inexoravelmente entre mim e a cabeça pensante havia a máquina de datilografia. Com a ajuda de familiares, a matrícula em um curso especializado foi imediata. Saí tão rápido como entrei, depois de ser informado por um dos instrutores que determinadas empresas (não necessariamente jornalísticas) preferiam as datilógrafas boas às boas datilógrafas.

Estava bem longe da modernidade. Daí achar que, naquela remota época, a televisão poderia chegar fácil à lista das sete maravilhas do mundo. Conforme Torelly, o meu, o seu, o nosso Barão de Itararé, o equipamento se transformou rapidamente na maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. Era como ligar a TV e desligar o cérebro. A televisão foi substituída pelo computador, pelo celular e, agora, pela Inteligência Artificial, ferramenta capaz de, em segundos, converter João em Maria, Flamengo em Sport Recife, bolinho de terra em iguaria, tenente em comandante, general em subalterno subserviente e, às vezes, presidente estrelado em presidiário abandonado.

É o tal do mundo redondo que acabou ficando chato por conta da quadradice e da chatice de seu povo, em especial de alguns muitos brasileiros corrompidos, cuja moral costuma ser mais amoral do que o Kid Bengala. Desnecessário dizer que a facilidade do homem em criar armas contra si é desproporcional à dificuldade de buscar mecanismos para prolongar a saúde da vida. A própria vida é impossível. Inventaram o canhão, a metralhadora e a bomba atômica como instrumentos letais. E realmente são. No entanto, as maiores letalidades de nossos tempos são o celular e as chamadas redes sociais.

Juntos, eles conseguiram destruir casamentos, amizades, famílias e nações consolidadas. O Brasil quase foi para o buraco com as fakes news. Não foi porque, mais uma vez, prevaleceu a máxima ensinada aos seres humanos desinteligentes: a criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer. As autoridades constituídas tiveram tempo de mostrar ao povo que “o tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro”. Tudo isso para dizer que, tecnologicamente, avançamos diariamente. O que era novo ontem à tarde é obsoleto hoje pela manhã. Também desproporcionalmente, o modus operandi do homem não acompanha a voracidade da tecnologia.

É claro que nem sempre os cientistas e tecnólogos são tão rápidos como a gente pensa. Entre as maiores curiosidades da evolução humana, a criação do protetor de testículos é uma das mais engraçadas. Sua criação data de 1874. Na contramão, o primeiro capacete para proteção da cabeça começou a ser usado em 1974. Ou seja, precisamos de um século para que os mesmos inventores percebessem que o cérebro também é importante. Aliás, parafraseando Charles Chaplin, o nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontram todos os segredos, inclusive os da felicidade e da liberdade. Enfim, a mente é como um paraquedas…Só funciona se estiver aberto.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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