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Prisão invisível

Conectados e Sozinhos

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Autor/Imagem:
Luzia Couto - Foto Francisco Filipino

Ela acorda com o celular vibrando. Notificações, mensagens, lembretes. O mundo inteiro parece querer falar com ela, mas ninguém realmente pergunta como ela está. Entre emojis e curtidas, vive-se uma ilusão de presença como se a tela fosse abraço, como se o toque digital substituísse o toque humano.

Na fila do café, todos olham para baixo. Não por vergonha, mas por hábito. Cada um imerso em seu universo portátil, ignorando o mundo ao redor. O silêncio não é falta de som, é excesso de distração. E a solidão, hoje, não mora no vazio, mora na multidão.

O paradoxo é cruel: nunca estivemos tão conectados, e nunca nos sentimos tão sozinhos. As redes sociais prometem companhia, mas entregam vitrines. Mostramos o que queremos que vejam, escondemos o que realmente sentimos. A tristeza virou filtro, a saudade virou legenda.

Ela volta pra casa, cansada de sorrisos que não duram, de conversas que não aprofundam. Liga a TV, abre o aplicativo, vê rostos, vozes, histórias. Mas tudo parece distante. A solidão moderna não grita ela sussurra. E o mais assustador é que muitos já se acostumaram com esse silêncio.

Há quem diga que estamos mais livres. Que podemos escolher com quem falar, quando falar, e até como parecer. Mas essa liberdade virou prisão invisível. A conversa espontânea virou notificação. O encontro virou chamada de vídeo. O toque virou reação.

Ela lembra da infância, quando a campainha tocava sem aviso e alguém aparecia só para conversar. Quando os vizinhos sabiam o nome do cachorro, e os amigos sabiam o nome dos medos. Hoje, tudo é agendado, filtrado, editado. Até a dor precisa parecer bonita.

No fundo, o que falta não é conexão é vínculo. É saber que alguém nos escuta sem esperar resposta rápida. É sentir que podemos existir sem performance. É poder dizer “estou aqui” e ouvir “eu também” sem precisar de Wi-Fi.

Ela desliga o celular. Pela primeira vez em dias, o silêncio parece verdadeiro. E talvez, só talvez, seja nesse espaço entre notificações que a presença real possa voltar a existir.

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