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Mula Sem Cabeça

Conheça a lenda que ainda provoca arrepios no povo do interior

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Autor/Imagem:
Abnoan José - Texto e foto

Nos rincões do Brasil, principalmente em comunidades rurais e interioranas do Nordeste, ainda ecoa o galope de uma criatura lendária: a mula sem cabeça. Um símbolo do folclore nacional, essa figura continua a povoar o imaginário popular com suas chamas, relinchos infernais e histórias passadas de geração em geração.

Segundo a tradição oral, a mula sem cabeça é a maldição lançada sobre mulheres que se relacionam com padres, desrespeitando o voto de castidade clerical. Como punição, elas se transformariam, nas noites de quinta para sexta-feira, em uma mula sem cabeça — com chamas no lugar da cabeça, cascos de ferro e um galope ensurdecedor.

A criatura vagaria sem rumo, relinchando de forma aterradora, assustando quem ousasse cruzar seu caminho. Para reverter a maldição, diz-se que um valente deveria tirar o freio da mula ou derramar seu próprio sangue sobre ela.

Pesquisadores de folclore apontam que a lenda da mula sem cabeça é uma fusão de mitos europeus medievais trazidos ao Brasil pelos colonizadores portugueses com elementos indígenas e católicos. Para a antropóloga Lúcia Helena Pereira, da Universidade Federal do Piauí, a lenda serve como uma “ferramenta moralizante”, reforçando normas religiosas e sociais, especialmente ligadas ao papel da mulher.

“A figura da mulher amaldiçoada reflete um julgamento moral que era comum em sociedades patriarcais e religiosas”, afirma Lúcia.

Apesar de seu caráter sombrio, a mula sem cabeça também virou tema de festas populares, peças teatrais, músicas e literatura infantil. Em cidades como São Luiz do Paraitinga (SP) e Crato (CE), ela é lembrada em festividades juninas e rodas de contação de histórias.

“Quando eu era criança, minha avó dizia que viu a mula na beira do mato, e ninguém saía de casa à noite depois disso”, conta o agricultor João Nogueira, de 67 anos, morador do interior de Goiás. “Hoje, meus netos acham graça, mas ainda peço que respeitem o que não entendem.”

A mula sem cabeça também aparece em adaptações modernas, como na série “Cidade Invisível”, da Netflix, onde figuras do folclore ganham nova roupagem em um contexto urbano. A personagem ganhou complexidade e humanização, reacendendo o interesse de novas gerações por essas histórias ancestrais.

Mais do que um monstro, a mula sem cabeça representa um pedaço da alma cultural do Brasil. Em tempos de globalização e perda de tradições orais, resgatar essas lendas é preservar parte da identidade nacional.

“A mula sem cabeça pode não existir como criatura real”, diz Lúcia Helena, “mas existe como memória, alerta e símbolo.

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